Folha de S. Paulo


Segundas chances

"Qual o país que você menos gostou de visitar?" Esta é a segunda pergunta que mais temo ter de responder –a primeira, claro, é o contrário dela: "Qual seu país preferido no mundo?"... Depois de muito hesitar diante delas, saí com uma solução "diplomática" que satisfaz as duas questões. Eu digo: "Não existe o pior (ou melhor) lugar do mundo; o que existe é um lugar que você visitou no momento errado (ou certo)!".

Essa ideia me ocorreu quando estava participando de um programa de entrevista e, tentando responder sobre o "pior país que já tinha visitado", saí com "Angola" quase que automaticamente. Para minha surpresa, ali na plateia, tinha uma estudante angolana que estava fazendo intercâmbio no Brasil. Ela, ao escutar aquilo, protestou na mesma hora.

"O senhor Zeca [tudo pronunciado com as vogais bem abertas, naquele delicioso sotaque "angúlâno"] esteve em meu país quando ele estava em guerra?", questionou-me ela de volta. De fato, eu havia visitado Angola em 1998, quando o país ainda era palco –ainda que não tão intensamente– de um conflito civil. Quando disse isso, a estudante completou: "Pois o senhor deveria voltar lá agora [esse episódio aconteceu em 2005], pois Angola é um país alegre, divertido e que vai recebê-lo muito bem!".

Fiquei sem resposta. Ela tinha razão! Não tive a chance de voltar a Luanda desde então, mas tenho certeza de que a cidade –que agora desfruta da relativa estabilidade (e prosperidade) que beneficia Angola– me receberia de uma maneira diferente.

Não que eu tivesse tido uma má experiência daquela primeira vez. Acompanhado por um divertido adido cultural –de quem guardei só o apelido, Bito– fui a restaurantes incríveis; ouvi o mais puro "semba" (que, ao contrário do que se pode imaginar, tem uma ligação apenas indireta com o nosso "samba"); passeei no inigualável mercado Roque Santeiro (batizado em homenagem à novela brasileira, enorme sucesso por lá, e onde comprei o meu suvenir favorito de todas as viagens, uma tampa de freezer pintada para promover uma barbearia onde se lê "Salão de Confiança – entra feio e sai bonito"); dancei o "kuduro" muito antes de ele ser um ritmo reconhecido internacionalmente; joguei saudáveis conversas fora em finais de tarde iluminados naquela orla de Luanda; e aprendi um verbo que certamente faz falta no nosso (brasileiro) dicionário de português: "desconseguir" –cujo significado é tão denso, lírico e melancólico que eu precisaria de mais de uma página aqui para poder falar sobre ele.

Mas também fui assaltado em Luanda; visitei imóveis com paredes destruídas por balas; fui recebido em lares cuja porta de entrada era protegida por grades; paguei caro por hotéis imundos; e fui certamente roubado pelas "kingilas" –as mulheres que faziam o câmbio de moeda no meio da rua, com uma cotação bem mais vantajosa que a dos bancos... Sem falar da voz de prisão que recebi minutos antes de embarcar para sair do país, sem nenhum motivo aparente a não ser a intenção do "oficial" de me extorquir alguns trocados (propina que ele chamava de "gasosa") –coisa que não conseguiu, graças a uma intervenção pesada do Bito.

Por tudo isso, minhas lembranças de Angola não eram das mais felizes quando sai de lá. Mas depois que a estudante me passou aquele carão, nunca mais citei essa viagem como um exemplo de lugar que não gostei de visitar. Aliás, esse lugar não existe –ainda bem! É você que escolhe as memórias que traz dos lugares por onde passa. Como listei acima, tinha motivos de sobra para amar Luanda, mesmo naqueles tempos difíceis.

Da mesma maneira, nessa última volta ao mundo revisitei uma cidade que não tinha me encantado muito da primeira vez, mas que agora me conquistou de um jeito inesperado. Era sobre ela que ia falar hoje –mas já estamos sem espaço, fica para a próxima. Luanda, sem querer, roubou o espaço desta vez. Quem sabe não seja mesmo um lugar interessante para se conhecer...


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