Folha de S. Paulo


Visto universal

Eu sempre aconselho: quando você chegar a um país estranho e começar a interagir com as pessoas, diga logo que é brasileiro. Tudo fica mais fácil quando você se identifica dessa maneira –ou pelo menos ficava até esta Copa do Mundo.

A simples declaração da nossa nacionalidade sempre costuma abrir um sorriso em um estrangeiro que estamos conhecendo –mas, agora, depois do nosso fiasco contra a Alemanha, tenho cá minhas dúvidas se isso vai continuar a acontecer. Desconfio que o respeito que o futebol sempre nos conferiu –uma espécie de "laisser passer", ou um "visto universal", que nos abre a porta de qualquer fronteira –esteja ameaçado. Pelo menos por um tempo.

Aprendi a me identificar brasileiro por experiência. Não foi sempre que trazia essa afirmação na ponta da língua. Durante muito tempo –e já com alguns quilômetros rodados–, diverti-me com as tentativas que as pessoas faziam para adivinhar minha nacionalidade.

Tenho traços faciais que podem ser codificados como orientais –mais precisamente do Oriente Médio. E a imagem que os estrangeiros geralmente fazem do "tipo" brasileiro não é essa. Como também não é a do japonês. Ou do loiro de olho azul. Quando peço para alguém que nunca visitou o Brasil descrever como é um brasileiro típico, a primeira sugestão é a de uma pele mais morena, indicando alguma ascendência africana. Geralmente, o estrangeiro não faz ideia de que somos um povo tão diverso.

Antes de eu descobrir os benefícios de falar de cara que sou brasileiro, a resposta que eu geralmente recebia era: "Já sei, você é indiano!". "Brasileiro", eu retrucava desafiante. E vinha a contestação: "Não, você é indiano, tenho certeza!". E a discussão só terminava quando eu mostrava meu passaporte.

Depois de várias situações assim, comecei a ver que a reação de quem conversava comigo mudava quase que imediatamente depois que eu "me revelava". "Brasil!", vinha o grito entusiasmado –como se uma alegria inerente ao nosso povo pudesse imediatamente contagiar a todos.

Já tentei buscar explicações razoáveis para essa reação, mas sempre acabo caindo no clichê: o de que, no geral, a imagem que as pessoas têm do Brasil é a de uma gente alegre –muito em função do próprio "cartão-postal" que vendemos mundo afora. Por exemplo, tem sempre o Carnaval, com sua exuberância que fascina o olhar de quem está longe. As campanhas de turismo vendem praias e corpos em perfeita harmonia. Mas é sobretudo o futebol que é nosso maior cartão de visitas. Ou, mais uma vez diante dos acontecimentos recentes, foi até agora.

Não tenho nenhuma viagem internacional planejada para os próximos dias. O que é uma pena, pois gostaria de "testar as águas" da nossa identidade depois da surra que levamos em campo -o tal 7 x 1. Será que ainda receberia um sorriso ao dizer de onde sou? Ou um olhar de piedade?

Mas, talvez, seja melhor eu me poupar desse exercício masoquista. Se não tenho certeza de como serei recebido nos próximos países que visitar, pelo menos sei que, a longo –ou médio– prazo, esse episódio lamentável vai ser só um detalhe.

Sei que logo vou voltar a ver um sorriso quando me apresentar como brasileiro. Que o vexame da semifinal da Copa de 2014 vai ser uma nota de rodapé no meu (no nosso) pedigree. Que, como antes, logo depois de descobrir minha identidade, o estrangeiro vai começar a recitar nomes dos craques da nossa história –Pelé, Romário, Ronaldo, Rivaldo, Neymar.

E que a conversa vai seguir alegre, como se a gente nunca tivesse deixado, nem por breves semanas do inverno de 2014, de ser algo como os embaixadores da felicidade mundial. Porque, eu garanto: é legal ser visto assim. É bom demais viajar pelo mundo e ter as portas abertas pelo simples fato de eu ter nascido aqui. Brasileiro. Brasileiríssimo.

Mas, até lá, quem sabe eu não brinco de ser indiano?!


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