Folha de S. Paulo


Terminal da Copa

Só existe uma coisa sobre a qual os jornalistas de turismo gostam de escrever mais do que seus destinos: os aeroportos por onde passam.

Breves horas dormidas em posições contorcidas, possíveis flertes intercontinentais, reticentes experiências babélicas, extraordinárias opções de souvenires –e eventualmente até uma razoável massagem (sem "happy end"). Aeroportos são fontes inesgotáveis de começos promissores –se não de histórias de vida, de boas reportagens.

Já fui de suntuosas salas de espera em Heydar Alyiev –o porto de entrada de Baku (Azerbaijão)– a cadeiras de colégio recicladas para o suposto conforto dos passageiros em Dandriga (Belize). Comprei chás com aroma de leite quente e jasmim em Xangai Pudong (China) e badulaques de búzios na tapera simples que passa por terminal de passageiros em Funafuti (Tuvalu). E conheci dezenas –centenas?– de pessoas que talvez nem tivessem me dado ao trabalho de parar para conversar se estivesse esbarrado com elas no meio de uma atração turística em Bangcoc ou Oaxaca.

Tem gente que reclama quando sabe que vai ter uma conexão. Eu comemoro. Tem gente também que reclama dos aeroportos do Brasil –especialmente na Copa. Eu prefiro encará-los como oportunidades!

Como em qualquer semana típica, tive minha cota de embarques e desembarques nós últimos dias. Só que o clima geral das filas para o check-in, o raio-X, o "finger", estava diferente. Os obstáculos a uma viagem com um mínimo de conforto continuam lá –e provavelmente se perpetuarão mesmo depois de 13 de julho. Mas há uma alegria naqueles corredores e saguões que é quase possível mastigar.

As figuras mais típicas estão todas lá: holandeses iluminados de um laranja tão forte que é quase rosa-choque –a mesma cor de suas tranças sintéticas, peitos exagerados e capacetes de "viking" (?); chilenos de perucas tricolores; pequenos grupos celestes, nossos fascinantes rivais argentinos; "canarinhos" amarelos que quase passam por torcedores brasileiros, e não colombianos; comportadas famílias alemãs; bem menos comportados universitários australianos; discretos, mas presentes, um grupo de suíços quase não me faz perceber um casal que orgulhosamente desembarca com camisas da... Áustria?; aqueles lá longe com as caras e os cabelos pintados são, claro, japoneses; sinto falta dos ingleses, na mesma intensidade com que registro a presença dos "tugas": nunos, miguéis, antónios, ouço.

E uma amiga, em outro aeroporto, manda uma foto de um torcedor iraniano com a informação de que ela já está pesquisando voos para Teerã (acho melhor não mencionar as dificuldades com vistos, para não esfriar seu entusiasmo).

Dito assim, parece que esses grupos não se misturam. Mas é exatamente o contrário. As placas que desejam boas-vindas em vários idiomas ficam obsoletas quando a gente lembra que todo mundo que está aqui, circulando pelo Brasil, fala, sim, uma mesma língua: a do futebol.

Somos todos rivais e, ao mesmo tempo, torcedores. E é por isso que ali, no aeroporto, nacionalidades que sabem que vão se enfrentar no gramado se atiçam, riem de si mesmas e das outras, e até se abraçam.

Todo mundo ali tem um avião para pegar, uma hora para chegar, um jogo para assistir. Mas, nesse meio-tempo, não perdem a chance de se misturar, de lembrar que tem gente diferente deles mesmos no mundo, de trocar alguma coisa –nem que seja uma provocação. E, assim, fazer de nossos aeroportos uma vibrante central –ou melhor, um vibrante terminal– da Copa.


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