Folha de S. Paulo


As irmãs Valadares

Albuquerque. Guimarães. Vasconcelos. Alcântara. Sobrenomes como esses se espalhavam pelos cartazes das ruas nas quais circulávamos, dando a ilusão de que estávamos num centro histórico do Nordeste brasileiro. Mas os rostos que cruzávamos logo desfaziam essa fantasia colonial. Ali os portugueses haviam também deixado suas marcas séculos atrás, só que não estávamos na Bahia, mas em Goa, na Índia.

Antes de cada sobrenome familiar havia sempre uma palavra em inglês: "bakery" (padaria); "photo shop" (fotos e câmeras); "tailoring" (alfaiate). O português, idioma que chegou com a expansão do império de Portugal já no século 16, era corrente em Goa até os anos 60. Mas já no finalzinho do século 20, quando estive por lá (1998), para encontrar quem falasse nossa língua com fluência em meio à maioria que se comunica no (para nós) impenetrável concani, era preciso garimpar.

Talvez fosse possível trocar uma ou outra palavra com um religioso na basílica de Bom Jesus, em Goa Velha -onde hoje repousam os restos mortais de são Francisco Xavier. A presença católica ainda é forte por lá. Eu mesmo conferi um casamento cujos rituais não ficam nada a dever ao Vaticano, ao lado de um matrimônio nas mais belas (e coloridas) tradições hindus. E "ao lado" aqui, não é força de expressão: igrejas barrocas e templos indianos são sempre bons vizinhos na paisagem goense.

Em comum nos dois rituais, apenas a timidez das noivas (e possivelmente a insegurança do noivo, uma vez que boa parte dos casamentos ainda são arranjados). E a língua, claro -que não era mais a portuguesa...

Até hoje me pergunto se (e como) ela sobreviverá naquele canto do mundo. E a melhor resposta que encontro é com a música. Conheci artistas por lá que levavam nosso idioma adiante com canções -e, além de raras composições originais, elas eram invariavelmente brasileiras.

De todos esses intérpretes, sem dúvida as que mais me seduziram foram as irmãs Valadares. Naturais de Goa, e donas de uma harmonia impecável, elas tinham então sucesso moderado no minúsculo circuito cultural indo-português. O Brasil, para elas, era um destino apenas musical, de onde colhiam músicas que se encaixavam nas suas vozes afinadas.

Era um fim de tarde quando começaram a tocar para nós. E foi já com o sol se pondo -no mar marrom- que elas entoaram a canção favorita das três irmãs: "Copacabana", de Braguinha e Alberto Ribeiro. Tudo em volta colaborava para fazer deste um momento memorável da viagem que eu fazia pelos lugares onde se falava a língua portuguesa.

E quando eu perguntei por que essa era a música preferida delas, a resposta veio fácil: porque "Copacabana" tem a palavra que elas consideravam a mais linda na nossa língua. Saudade...

(Para ouvir um trecho da música "Copacabana" cantada pelas irmãs Valadares, clique aqui)


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