Folha de S. Paulo


Povos e países

"Quantos países você já visitou?". Essa é uma das perguntas que ouço com mais frequência --e não sem motivo. Tão "pequeno" como o mundo está hoje, o número de lugares que visitamos parece ser sempre uma referência mágica, uma espécie de "padrão de ouro" que todo viajante --desde qualquer pessoa que já pôs uma mochila nas costas e saiu dos limites de sua cidade natal até "colegas" de volta ao mundo-- quer sempre aumentar. Ou sonhar que pode chegar.

Minha resposta para tal pergunta inevitavelmente varia com o tempo, algo que ninguém estranha (afinal, sou um viajante!), a não ser por um estranho decimal. Explico: no momento, minha contagem de países visitados está em 97 e meio. Isso mesmo -noventa e sete países e meio. Por que o "meio"? Porque já fui a um país que não existe mais: a Alemanha Oriental!

Um blefe? Absolutamente! É só a maneira que encontrei de "contabilizar" uma lista que, por mais que a gente queira que seja precisa, será sempre arbitrária. Visitei Berlim Oriental em 1986, a convite de uma artista plástica, Hella Santarossa, que conheci em sua visita a São Paulo para uma Bienal. Cheguei lá de trem, submeti-me à rispidez dos oficiais da República Democrática Alemã, comprei marcos-alemães orientais (tive de gastar todos por lá), tirei fotos no muro. E então, em 1989...

Com a queda do muro de Berlim e a subsequente unificação das Alemanhas, fiquei na dúvida se deveria subtrair um país da minha lista, ou seguir contando com ele. A solução foi adotar o "meio". Mas essa conta poderia ser ainda mais maluca. E se o Uruguai (que conheço bem) fosse até hoje a província cisplatina? Se a Guerra Civil americana tivesse separado norte e sul do país, eu ganharia mais um ponto por conhecer Nova York e Miami? Já fui a Praga (República Tcheca), mas não à Bratislava (Eslováquia), mas até 1992 essas cidades estavam no mesmo país -posso somar mais um à conta? Conheço o Laos, o Camboja e o Vietnã, mas, se os franceses ainda estivessem lá, o único nome na minha lista seria o da Indochina?

Sim, esse placar é uma obsessão curiosa, mas, quanto mais eu viajo, menos importância eu dou a ele. Quero chegar aos cem (ou cem e meio!), mas sinto-me cada vez mais flexível com relação aos contornos dessas fronteiras.

Quando era criança, meu pai comprava para mim uma coleção de fascículos chamada "Povos & Países", que me ajudou desde cedo a perceber que dentro de um limite territorial cabem inúmeras culturas -que felizmente se misturam e se transformam. Construções, templos, arte -todas deixam seus registros. Mas as pessoas responsáveis por eles estão sempre mudando. E por isso insisto sempre: não viajo para ver monumentos, mas para ver gente. É isso que torna o mundo tão interessante.

Meu passaporte "dos sonhos" não estaria recheado de carimbos, mas de fotos de todo mundo que conheci por aí. E é com a ajuda delas que vamos embarcar, a partir de hoje, nesta coluna. "Laukiamas". "Maligaygang pagdating". "Bun venit".


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