Folha de S. Paulo


Prepare seu coração...

Amigo pró-Copa, amigo do "não vai ter Copa", prepare o seu coração para o que viveremos doravante, mil tretas no país da terra em transe. Nunca testemunhamos um momento tão rico em matéria de contradições. Qualquer brasileiro hoje do mais degradado botequim do beco da Facada, no Recife, discute mais política e filosofia de vida que um francês metido a besta em pleno Iluminismo.

Somos todos Voltaire. Voltaire de Souza, Voltaire da Silva, há um Voltaire em cada esquina. Ninguém carece saber quem foi Volté para ser um deles. O certo é que, graças à Copa, ao outrora ópio ludopédico, nunca debatemos tanto. Não há como tomar cerveja em paz nestas várzeas tropicais. O mais sacana dos garçons quer discutir a conjuntura.

Politizaram até o exercício da mais antiga das profissões. Aquilo que era só uma recreativa transa remunerada virou questão de Estado. A Embratur, que passou a vida vendendo o bundalelê brasuca para turistas do mundo, agora se ofende com qualquer menção aos nossos belos latifúndios dorsais, meu caro amigo Lan –o cara que melhor desenhou a retaguarda nacional, você precisa conhecer essa obra.

Dá um tempo, Voltaire, hoje é a inauguração, com bola rolando, do Itaquerão. Sei que gastaram uma grana lascada, entre BNDES e incentivos fiscais –a mesma grana que financia um bocado de firma privada de barões da Fiesp–, mas fico feliz que a zona leste, maior em população do que a maioria dos países que vêm ao torneio da Fifa, tenha um estádio e abra a Copa.

Pode ser por razões afetivas, foi na ZL, Parque São Rafael e arredores, que se firmaram os primeiros da família que aqui chegaram, como o corintianíssimo tio Alberto Novais, um gigante na linha de montagem de Ford e Chrysler –infelizmente já se foi desta, mas hoje vai descer para uma Caracu com ovo, aposto.

Pode ser por razões afetivas uma ova. Tem coisa maior na vida de um homem? Óbvio que é por isso e aqui assumo, desavergonhadamente. A ZL é o Brasil todo na Copa.

Estou meio Cândido, o otimista, a crônica está em ritmo de "Disparada", com o santista Jair Rodrigues na trilha sonora. Com Jair a alegria sempre foi a prova dos nove. Não, estimado santista, vou poupá-lo da resenha do Peixe contra o Princesa do Solimões, na arena amazônica.

Tudo certo. Ganhamos e ainda temos a chance de receber o poético time de Manacapuru na Vila. A lindeza da Copa do Brasil, quem dera a Fifa pensasse assim democraticamente, o único torneio do mundo que vai do sertão ao cais, da metrópole a uma transamazônica.

Caro Jair, manda um recado aí pro doutor Sócrates, santista de nascença e corintiano depois de gente grande, diz ao filho de dona Guiomar que até homem tem saudade dele, quanto mais as moças bonitas. Os garçons também mandam lembrança.


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