Folha de S. Paulo


A maloca do Pacaembu

Amigo torcedor, amigo secador, boa sacada essa da direção do Corinthians em celebrar a despedida do Pacaembu, no jogo deste final de semana com o Flamengo, com a música "Saudosa maloca", do corintianíssimo Adoniran Barbosa.

A situação do time é diferente dos personagens da letra, o próprio sambista e os maloqueiros Mato Grosso e o Joca, vítimas da especulação imobiliária de um Bixiga dos anos 1950 onde cortiços começaram a ser substituídos pelos espigões.

O Corinthians vai para uma casa de luxo, uma arena, como deram para chamar, em tempos modernos e vacilões, o velho e bom estádio. Não podemos negar, porém, que o enredo do samba represente a história de vida da maioria dos corintianos.

Mesmo sem risco de demolição, graças a Deus, o Pacaembu, nesta cerimônia de despedida será, durante este jogo, o antigo cortiço de Adoniran. Cada minuto do jogo será como uma "taúba que caia" e doía no coração dos maloqueiros. Cada alvinegro, ao seu estilo, rebobinará no cocuruto a fita dos seus grandes momentos na casa.

E não somente no embalo do "dim dim donde nóis passemo os dias feliz de nossas vidas". Há quem lembre aqueles dias de lágrimas. Dias que estiveram mais para "Bom dia, tristeza", outro clássico do mundo Adoniran ""em parceria com o botafoguense Vinícius de Moraes- do que para a maloca nostálgica.

"Se chegue, tristeza/ Se sente comigo/ Aqui, nesta mesa de bar/ Beba do meu copo/ Me dê o seu ombro/ Que é para eu chorar...".

Há quem também veja de forma mais bem-humorada e recorde daquelas tarde ou noites em que o time apenas bancou o Arnesto, chamou para a festa e nada. Nem bilhete na porta. Acontece nas melhores famílias do Bixiga ou de Itaquera.

Ao exaltar a maloqueiragem com o samba de Adoniran, a direção do Corinthians louva o seu torcedor e o inclui. Ao contrário do palpite infeliz do novo presidente do São Paulo, doutor Carlos Miguel Aidar, que engatou uma marcha ré na história e devolveu o tricolor, que há muito tempo é um time de massa, à visão pequena de clube aristocrático.

Trato, evidentemente, da declaração do são-paulino, em entrevista à rádio Bandeirantes: " Gostaria muito de ter o Kaká. É alfabetizado, tem todos os dentes na boca, bonito, fala bem...".

O tipo da declaração que encolhe a ideia de um São Paulo popularíssimo, não somente na terra da garoa. Tudo bem, não carece incorporar a maloqueiragem patrimônio simbólico do adversário, mas rejeitar parte significativa da torcida é gol contra. O São Paulo não é mais só caviar, caro cartola, faz tempo que botaram um torresmo à milanesa, para continuarmos com Adoniran até o fim, nesse banquete do Morumbi. Deu até vontade de mandar um clássico e pedagógico rock dos Titãs para o Sr. Aidar: "Jesus não tem dentes no país dos banguelas".


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