Folha de S. Paulo


O cego com ingresso

Amigo torcedor, amigo secador, o homem não passa de um cego que paga ingresso. Assim é a vida, confesso. Repare nos fanáticos pelo Fluminense, não conseguem entender que seria melhor se fosse de outro jeito. Até Nelson Rodrigues confessa: estamos errados por estar certos.

Ele sabe que, pelo conjunto da obra, o Flu se equivoca. O tio Nelson sabe que a derrota pode trazer coisas bonitas. Difícil e errado é fazer como o infeliz vizinho carioca que grita na Miguel Lemos, Copacabana: "Time grande não cai, caraca!"

Azar dos torcedores do Flu que só conhecem a derrota entapetada. Nunca souberam que viver é beijar o rés-do-chão e viver de verdade.

Não sabem, assim como os atleticanos, que a vida passa do ponto, para lá de Marrakech, essas enganações. Donde digo, com muita vontade: gostemos, pelo menos neste fim de ano, mais das mulheres que dos futebolismos. No que repito uma assuntada crônica sobre o assunto.

O que aconteceria se o homem, aqui vale o homem normal, a média dos homens –aquele cara simples, tarado por mulher, cerveja e futebol– gostasse tanto da sua amada como gosta do seu time do peito?

Seria uma revolução. Mudaria tudo. Tudo mesmo. Repare:

Para começar, o macho jamais deixaria a sua fêmea. Nunca, never. Homem que é homem muda de sexo, mas não muda de time. Mesmo quando ela se sentisse a pior das criaturas, por baixo mesmo, mesmo quando ela blasfemasse aos céus e se queixasse ao espelho que estava gorda e a autoestima despencara.

Se o homem gostasse da mulher pelo menos 50% como ama o seu time, nem bola nas costas, uma traição, como uma derrota incompreensível, seria motivo para o fim do relacionamento. No futebol, assim como no amor, tudo seria perdoável.

Se o macho gostasse da cria da sua costela como quem aprecia um Flu, um Fla, um São Paulo, um Peixe, um Palmeiras, um Bahia, um Santa Cruz, um Galo, um Grêmio, arranjaria tempo para ir com ela ao cinema ou jantar fora duas vezes por semana –no mínimo empataria com o tempo dedicado ao clube.

Apreciasse sua mulher como é chegado ao futebol, o sujeito trocaria pelo menos uma mesa-redonda na TV por uma conversa com a dama. Em vez da crise no Vasco, tentaria entender a derrota que virou seu casamento.

Se o Cruzeiro anda tão bem, brilha na dianteira do firmamento, por que não melhorar também, amigo, a posição na tabela no jogo em casa? Deixar tudo mais celeste, o amor azulzinho em um céu de brigadeiro?

Não sejamos exagerados. Bastaria dedicar 30% do que se devota ao time do peito. Teríamos uma mudança radical na vida dos casais.

Feliz ano a todos, vou tentar aqui uma prosódia. Tipo como vos amo. Aqui me despeço e só volto em 2014, ano da Copa do Mundo e de minhas besteirinhas aldeotas.


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