Folha de S. Paulo


Tapetão não é preciso

Amigo torcedor, amigo secador, navegar é preciso, como fez a nau lusitana; alçar voo no tapetão, como pode ocorrer com o Fluminense, é inadmissível, injusto com os homens de boa vontade que derramam o mais bíblico e olímpico suor na camisa e sobre a terra.

Amigo legalista, amigo justiceiro, cair no campo de batalha é humano, subir no tapetão da sala da justiça da CBF é imperdoável.

Ninguém que gosta de futebol merece. Nem o Gravatinha, tricolor doente do outro mundo entende, alma penada que visitava as Laranjeiras mesmo depois de ter ido para a cidade de pés juntos.

Justamente o Gravatinha, impagável personagem do tio Nelson Rodrigues, há de alertar o mais passional pó de arroz sobre a ocorrência, há de puxar o pé dos homens do tribunal que sempre castigam com a fria letra da lei os mais fracos e, na cara de pau, aplicam o subjetivismo mais platônico da Grécia antiga aos mais fortes.

Errar pode ter sido, momentaneamente, lusitano. Que benefício Maria levou com isso? Como errar, outro dia, foi inteiramente tricolor e soberano. Os arquivos não mentem. Que prevaleça o que o garoto do placar anotou ao fim dos jogos. O garoto do placar é quem escreve a história, é o dono da narrativa. Ponto.

Qualquer outra decisão da sala da justiça da CBF será desmoralização. Essa história de letra fria da lei é cascata. Nem a nossa suprema corte usa mais. Ser justo é diferente de ser friamente legal e etc.

Se a decisão for baseada nas decisões anteriores da mesma sala de justiça, como chama a vinheta do "Redação SporTV", vale tudo: a jurisprudência, o repertório de casos julgados em outros campeonatos, autoriza qualquer medida. Tanto favorável ao Flu, quanto favorável à Lusa. A decisão, óbvio ululante, meu caro Gravatinha, será entre o mais forte e o mais fraco, o resto é jurisdiquês e fanatismo de torcida.

Esqueça os cartolas, pense nos jogadores da Lusa que enfrentaram todas as tormentas, como escreveu o bravíssimo André Kfouri em texto exemplar no "Lance!".

No que completou, de bate-pronto, o colega Hélio Schwartsman, nesta mesma Folha: "Se a Portuguesa perder os pontos, os cartolas estarão afirmando que o que acontece nos tribunais desportivos é mais importante do que o que ocorre dentro do campo, mensagem que não combina muito com a ideia de esporte".

Navegar é preciso, voar no tapetão é ridículo, como diria o frio Paralelepípedo de Almeida, este desconhecido personagem também do tio Nelson, irmão do Sobrenatural da mesma família. Só o Ceguinho Tricolor, outro genial tipo da galeria rodriguiana, reconhece o STJD como campo de jogo a essa altura.

Segunda divisão não é vergonha. Segundona é "onde os fracos não têm vez". Quem tem dignidade cai e levanta com as próprias forças.

@xicosa


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