Folha de S. Paulo


Corintiano, um novo ser

Amigo torcedor, amigo secador, os tempos mudaram e o corintiano não é mais o mesmo. Pode até ser maloqueiro, como no grito da massa alvinegra; sofredor jamais, adeus masoquismo futebol clube. Isso é estigma da época em que a Libertadores da América era apenas uma piada sacana dos adversários. O corintiano safra 2013 é outro.

O corintiano de hoje não suporta mais nem uma simples derrota de varejo em um campeonato de pontos corridos, como a da última quarta-feira para a Ponte Preta. Mal-acostumado ao tropeço, o novíssimo corintiano já especula a saída do técnico, já berra e protesta, já blasfema aos céus de Itaquera, já paga geral, já não procura mais a mulher para o sexo, como se queixa minha prima e amiga Waldete, corintianíssima representante da ZL.

É tão-somente uma brincadeira da Wal com o marido, mas, pensando bem, as outras coisas fazem todo sentido, reflita comigo, você que reza pela cartilha de São Jorge. Depois do Japão, meu irmão, ficou difícil para a galera mascar o jiló do sofrimento, mesmo que passageiro. O vendedor de jornais já berra a manchete no semáforo, como nas gazetas das antigas: "Crise no Corinthians".

O corintiano é outro homem, é outra mulher hoje em dia. Os corintianinhos, então, Deus nos acuda. O filho desta minha prima aí de cima, por exemplo, é só marra. Walderson, 5, batismo que junta o nome dela com o do pai, Nelson, pertence à orgulhosa geração Japão. O menino é uma onda. Também pudera. O paulistinha, com sangue dos sertões do Ceará e de Pernambuco, já nasceu com o título de campeão do mundo encomendado. Pense em uma criatura cosmopolita!

O pai esperou décadas por um estádio, o filho vai praticamente atravessar a rua, no aniversário de seis anos de idade, e adentrar a moderníssima arena da abertura da Copa do Mundo. O pai ouviu a vida inteira a piada da Libertadores, o filho praticamente não dormiu direito nos seus poucos anos por causa de tantos fogos nas comemorações.

Por essas e por outras é que vos digo: o corintiano, conforme o conhecemos, não existe mais. É peça de museu, é relíquia, é objeto de tese de antropologia da USP. O neocorintiano virou um exigente. Aquele cara que dorme na fila do Procon para reclamar de cara feia de vendedor. O corintiano "padrão Fifa" não deixa barato.

Dá até uma saudade do velho amigo corintiano de outros tempos, não acha? O da superação de todas as derrotas e adversidades, o time feito à imagem e semelhança da sua vida. Digo isso ao Nelson, o marido da Wal, o pai do menino-Japão, e ele arregala: "Você tá maluco, nostalgia não enche bucho".

@xicosa


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