Folha de S. Paulo


Carta ao Dadá Maravilha

Amigo torcedor, amigo secador, fim de jogo e um rei em lágrimas, o choro de uma majestade do futebol brasileiro, 926 gols no conjunto da obra, a mais fiel tradução dos nossos Macunaímas, elegante com a cabeça, mal-ajambrado com os pés, um beija-flor no ar, um tanque de guerra sobre a terra.

Peço a devida licença, leitor do peito, para seguir aqui a prosa que reiniciei com o artilheiro da canela abençoada, o inventor do dadaísmo, gênio dos contrastes, o cara dos gols feios mais bonitos do planeta, o homem que chorou com a massa mascarada, em pânico, diante do pênalti para "los xolos" de Tijuana.

"O rei está em lágrimas", confessou ao final da peleja mais chorada dessa vida que teima em imitar um drama mexicano. "Meu coraçãozinho não vai aguentar. Vamos, Galo. O amor é lindo", dissera antes.

"Vitória com V de Victor! O rei está em lágrimas. Hoje a majestade é do goleiro", reverenciou mais uma vez o carrasco dos guarda-metas.

É, meu rei Dadá, não foi nada "mamão com açúcar", como costumas definir estar no mundo, só para contrariar o casmurro doutor Sigmund Freud. Foi osso. Aquele osso de fogão de cortiço que fica dependurado em uma corda e rende um caldo ralo ao infinitum para os feios, sujos e malvados.

Assim é mais gostoso, é como naquele tempo em que moravas com o cantor Evaldo Braga ("sorria, meu bem!") na Febem da época. É como o primeiro triunfo, o primeiro gol de canela do destino que te levou ao outro lado do muro. "Sinto a cruz que carrego bastante pesada", cantaria o teu amigo que trouxe a "black music" para a canção romântica do rés do chão dos ofendidos.

Não foi aquela moleza, caro Dadá, que testemunhei na Ilha do Retiro, teu recorde mundial de gols em uma partida, 1976: Sport 14 x 0 Santo Amaro, mais conhecido como o time das Vovozinhas. Fizeste dez dos quais. Filé, amigo, eu corto é com colher, como me disseste tempos depois em uma entrevista para o "Tabloide Esportivo", o maior jornal do gênero que o mundo já teve, digo, o Recife.

Vivo fosse, Dadá, o escritor Roberto Drummond (de "Hilda Furacão") repetiria, depois daquela noite no Independência, a crônica: "Se houver uma camisa preta e branca pendurada no varal durante uma tempestade, o atleticano torce contra o vento".

No milagre, o atleticano teve que torcer contra o vento. O redemoinho parou no pé do goleiro. Que venha a bonança da taça, a América.

Sabias, caríssimo Dadá, que o galo é o único animal que canta depois do gozo? Pois é, amigo. O homem entristece, silencia, no máximo acende o velho king size do dever cumprido. O Galo é o único clube brasileiro que restou na Libertadores. O Galo é 13 no jogo do bicho, o Galo é lágrima por lágrima do eterno artilheiro que só lhe deu motivos para ser alegre na vida.


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