Folha de S. Paulo


A crise dos Poderes

Os horizontes da política se obscureceram, com as nuvens da linha inconstitucional proposta pelo presidente da Câmara dos Deputados, de não atender os efeitos da punição criminal imposta a destacados participantes do universo político.

O deputado, invocando sua condição de preside
nte eleito pelos deputados, quer limitar os efeitos das punições aplicadas, entre outros, a parlamentares atingidos pela condenação à prisão pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

A defesa das prerrogativas da Câmara dos Deputados não é, em si mesma, uma violência daquela casa do Parlamento. O presidente tem o direito e o dever de a representar, mas submetido a um limite, que se pode dizer sagrado. O limite está na Constituição, por isso mesmo chamada de Carta Magna.

Como se sabe, o STF examinou o processo condenatório, em debates que --a contar de uma denúncia desta Folha-- resultaram em punições diversificadas, aí incluídas condenações a penas de prisão.

A pergunta que devemos fazer-nos é simples: o deputado condenado a pena de prisão mantém sua condição parlamentar, como efeito inafastável da pena, ou o cumprimento desta depende de anuência da Câmara dos Deputados?

Para a resposta, é necessário examinar cinco dispositivos constitucionais, pelo menos. Começo inafastável é o do art. 2º: "são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário".

Portanto, o primeiro elemento da discussão consiste em examinar os dois termos intermediários desse artigo: os Poderes são independentes e harmônicos. A independência e a harmonia, como evidente, são avaliadas como requisitos básicos e norteadores da situação e da conduta, de cada Poder, em face dos dois outros.

Pensada a situação definida pelo art. 2º, quando aplicado aos fatos do momento e do surgimento de grave crise constitucional, no desencontro das opiniões de um órgão do Poder Legislativo e o órgão máximo do Judiciário, devemos achar um modo de o resolver, respeitada a Carta Magna. Os dispositivos constitucionais, a serem avaliados, são os arts. 44, 76, 92 e 102.

Diz o art. 44: "o Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal". Está no art. 76: "o Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República, auxiliado pelos Ministros de Estado". Lidos os dispositivos sobre o Judiciário, a cabeça do art. 92 relaciona os seus órgãos componentes. O art. 102 afirma que "compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente a guarda da Constituição..."

Assim se vê que o Poder Legislativo é exercido por dois órgãos (Câmara e Senado) e não por um só, dentre eles. O Poder Executivo, embora regido por um único ser humano, auxiliado por seus ministros, fica, em várias situações, vinculado a atos dos dois outros Poderes. O Judiciário, na pluralidade, de seus agentes impõe ao STF (pela maioria de seus membros), precipuamente, a guarda do texto constitucional.

O advérbio de modo não deixa dúvida: diz do que é precípuo o principal, o essencial, o mais importante. Está a dizer de sua capacitação acima de todas as outras.

A Câmara dos Deputados é fundamental na prática da democracia. Mas não é, em si mesma, um Poder. É parte dele.


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