Folha de S. Paulo


Metamorfoses

Ao que tudo indica, a casta partidocrática que encontrou guarida no Congresso Nacional irá aprovar nos próximos dias a redução da maioridade penal. Obra de um presidente da Câmara que tenta, custe o que custar, desviar os holofotes de seu indiciamento em um dos mais badalados casos de corrupção da Nova República, assim como esconder seus fracassos na imposição cesariana de pautas ao Congresso, a redução parece uma grande unanimidade nacional, ao menos segundo as pesquisas.

Dentre os apoiadores da redução há um tipo social peculiar e bastante interessante. Trata-se dos "progressistas com uma face dura", o contrário do velho "socialista com uma face humana". Eles se perguntam se a luta de alguns contra a redução da maioridade penal não seria fruto de uma visão idealizada da infância que luta para retirar nossos adolescentes da trilha da responsabilidade de seus atos. Normalmente, são pessoas que na juventude tiveram seus momentos de desejos de transformação. Mas, com o tempo, aprenderam a cultivar um "desencanto saudável". Na verdade, começaram por aumentar o tamanho do carro, colocar grades na casa, comprar passagens de primeira classe, frequentar vernissages de publicitários travestidos de artistas, reclamar dos impostos e da segurança para terminar tendo muitas posições políticas idênticas aos conservadores, mas por "outras razões, muito mais sensatas".

Desta forma, eles podem racionalizar os medos de sua nova classe social sem perguntar-se sobre quão estúpido é falar em aumentar o número de presos em um país no qual o sistema prisional é falimentar, criticado por uma miríade de instituições internacionais. Um país que detém a quarta maior população carcerária do mundo sem nunca conseguir reduzir de forma efetiva a criminalidade.

Ao invés de estarmos discutindo a diminuição desta população, assim como a reversão de tal lógica e o uso mais sistemático de penas alternativas, estamos propondo aumentar os casos passíveis de encarceramento, mesmo sabendo que os adolescentes que serão encarcerados não são, em absoluto, apenas aqueles que praticarão crimes hediondos. Estamos falando de um país que, dependendo do juiz, prende pessoas que cometeram furtos de R$ 150 e que andam com alguns cigarros de maconha.

O que vocês acham que realmente acontecerá após a redução da maioridade? Andaremos mais seguros na rua? Como a resposta é óbvia, melhor seria se perguntar o que realmente quer quem apoia tal absurdo: segurança, vingança estéril ou mais um espetáculo medieval de expiação do medo, agora patrocinado por algumas revistas que compõem a maior imprensa marrom do planeta?


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