Folha de S. Paulo


Parlamento de espoliação

"Nobres deputados, digníssimos senadores. Estamos em um limiar da história nacional. Chegou o momento de assumirmos a responsabilidade à qual somos conclamados pelas ruas e dizer ao país que eis que se projeta o fim do presidencialismo de coalização. Raiz de todos os males da governabilidade de nossa pátria, este presidencialismo morreu de inanição" (aplausos, aplausos).

"O país pede mais ousadia, mais vigor e lideranças ilibadas (neste momento, um popular grita: "Mas o senhor é diretamente indiciado no escândalo da Petrobras". No que os seguranças do Congresso dão um jeito de tirá-lo rapidamente de cena, à custa de alguns hematomas. Parlamentares gritam: "Respeite esta Casa"). Como estava dizendo, o país pede mais ousadia, por isto proclamo o fim do presidencialismo de coalização e o início de uma nova era: a era do parlamentarismo de espoliação" (fortes aplausos e choro de comoção no plenário).

"Sim, aproveitemos da fraqueza congênita do governo para passarmos as pautas que realmente interessam a este país. Viagem para mulheres de deputado subsidiada pelo dinheiro público, triplicação da verba de custeio de partidos, R$ 10 milhões em emendas para os novos parlamentares em pleno ano de recessão, reforma política que coloque, de uma vez por todas, o fantasma da participação popular direta para longe de nossas terras. É isto que o povo quer."

"Para diminuir a pressão que os inimigos da pátria podem querer fazer contra nossa legítima espoliação, lembremos ao povo que o caos espreita nosso país. As famílias não sabem mais o que são famílias. O Estado precisa explicar à sociedade qual é o conceito de família. A ditadura gay atinge até mesmo nossas novelas. Gays, nobres deputados e senadores, querem ter os mesmos direitos que nós (alguém grita: "O sangue de Jesus tem poder", "Sai, Satanás"). O cidadão de bem clama pela redução da maioridade penal, por uma lei contra o terrorismo. O deputado Bolsonaro, aquele que diz que só estupra mulher que merece, será nosso relator."

"Quem se volta contra o Parlamentarismo de espoliação se volta contra a democracia. Pois fomos eleitos pelo povo, mesmo que, em vários Estados, mais de um terço da população não votou para o Congresso Nacional ou que, segundo o Instituto Data Popular, 75% da população diz não confiar nos candidatos a deputado federal da última eleição, e 65% não confiar nos candidatos ao Senado."

(Fim do terceiro ato. Alguém diz ter visto dois urubus em cima de um edifício no cerrado. Mas, na verdade, era uma instalação de Nuno Ramos).


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