Folha de S. Paulo


Outra democracia

Há meses o governo federal procura apresentar uma Política Nacional de Participação Social. Ela visa, como diz o projeto de lei, "fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil". Essa foi a maneira que o governo encontrou para tentar responder à consciência da necessidade de uma reinvenção democrática capaz de nos retirar das imperfeições e limites da democracia representativa.

De fato, não há tarefa mais urgente do que criar as condições para que a política deixe de ser necessariamente pensada sob o signo da "representação". Ou seja, trata-se de parar de acreditar que apenas aquilo que pode ser representado deve ter direito à existência política. Pois a representação política não é a organização, em escala reduzida, da diversidade da vida social. Ela é simplesmente a organização mais adequada ao jogo de forças e aos ditames hegemônicos do nosso momento histórico. O que explica a verdade desses momentos nos quais populações afirmam que as representações são, no fundo, muito pouco representativas.

Nesse sentido, muito haveria a se avançar no projeto tímido de participação popular, que se exime de tocar, de maneira efetiva, no funcionamento geral da representação política. É importante que ele seja discutido sem repetir as críticas absurdas, que apareceram nas últimas semanas, contra a própria ideia de participação popular. Para alguns, quanto menos povo, mais democracia. Quanto mais a vontade popular estiver amordaçada a processo de representação e controlada pelas imperfeições do presente, melhor.

Na verdade, há de se insistir que a verdadeira participação popular não pode ser apenas consultiva, mas deliberativa, com poder de veto em relação aos outros poderes e, principalmente, com capacidade de gestão. Faz parte da democracia representativa nos fazer acreditar que decisões racionais só podem sair da "tecnocracia" ou de detentores do discurso da competência gerencial. O Brasil deveria servir de melhor exemplo para a natureza falaciosa dessa afirmação, já que a "racionalidade" dessas pessoas é do tamanho de viadutos que caem, de metrôs tomados de assalto por corrupção, de rios que nunca são despoluídos etc.

Na verdade, decisões realmente racionais só aparecerão quando formos capazes de realmente escutar a inteligência prática de professores, enfermeiras, metroviários, médicos que estão efetivamente envolvidos no cotidiano do que foi, normalmente, mal planejado por algum tecnocrata ou consultor com fórmulas mirabolantes. Essa recuperação política da inteligência prática é um dos nossos maiores desafios.


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