Folha de S. Paulo


A inserção internacional da América Latina

Estão sendo debatidos atualmente em Genebra, Suíça, os termos da nova rodada de negociações multilaterais no marco da OMC (Organização Mundial do Comércio). A chamada "Rodada do Milênio" terá início na terceira reunião ministerial da OMC, na cidade de Seattle (EUA), no final deste ano.
A "Rodada do Milênio" abre novas oportunidades para a América Latina e o Caribe. Para muitos países em desenvolvimento, os custos da abertura comercial têm sido grandes, assim como os esforços para ajustar suas legislações e instituições às normas do comércio internacional. Eles não se sentem preparados para suportar os custos adicionais provenientes de novos acordos.
A Cepal avaliou alguns elementos que se refletem nas estatísticas comerciais da região, após quase uma década de liberalização e investimentos: a dinâmica diferenciada entre exportações e importações, os produtos que compõem as exportações e o comportamento dos mercados compradores.
Entre 1990 e 1997, o total de bens importados pelos países latino-americanos superou em 40% suas exportações. A demanda por essas importações apresenta uma nova elasticidade-renda, que se associa a um processo de reestruturação das plantas produtivas e a uma maior proporção de insumos importados na produção local.
Em 1997, de 17 países latino-americanos, só Equador, México e Venezuela registraram saldos comerciais positivos em valores correntes. A acumulação dos déficits se deu com taxas de crescimento das exportações iguais ou superiores a 10% por ano, salvo nos principais produtores de petróleo (como o Equador e a Venezuela) e no Paraguai. Dados ainda preliminares para 1998 indicam que a Venezuela será o único país a ter superávit comercial, embora menor que o obtido em 1996.
Se os países latino-americanos tivessem acesso estável e garantido a fontes de capital de longo prazo, o crescimento dos déficits comerciais não deveria, por si só, gerar maiores preocupações. Na prática, esse acesso tem sofrido limitações significativas.
A forte queda de preços dos produtos básicos nos últimos anos, aliada a problemas de excesso de oferta e de redução da demanda, evidenciou vulnerabilidades. Como era de esperar, a liberalização comercial acentuou a especialização das exportações, baseada na ampla disponibilidade de recursos naturais. Cresceu, assim, a participação dos produtos primários e de manufaturados com uso intensivo desses recursos naturais no rol das exportações da América Latina -ainda que o conteúdo tecnológico, hoje, seja maior.
A dinâmica do comércio internacional, ultimamente, tem sido determinada pelas importações dos países em desenvolvimento e dos Estados Unidos. Até 1997, a demanda proveio basicamente dos países asiáticos e latino-americanos; no ano passado, EUA e América Latina tiveram peso maior.
O intercâmbio entre os países em desenvolvimento e, em particular, dentro da América Latina tem sido determinante para o incremento do comércio na região. Para que essa última tendência se mantenha como um fator dinamizador do comércio regional, é necessário que as economias latino-americanas e caribenhas possam trilhar (e sustentar) uma trajetória satisfatória de crescimento no longo prazo.
Os compromissos assumidos pela região perante a OMC limitam a capacidade de conceber e implementar políticas de desenvolvimento. O Chile é um exemplo disso. O país terá de abandonar instrumentos de promoção das exportações, como as tarifas diferenciadas sobre bens de capital, que continham componentes de subsídio incompatíveis com as normas do comércio multilateral. Do mesmo modo, o regime automotivo brasileiro teve de adequar-se às regras da OMC no que dizia respeito às medidas sobre os investimentos ligados ao comércio.
Mesmo nos casos em que os governos da América Latina e do Caribe não pretendem ressuscitar práticas protecionistas, subsidiando indústrias ineficientes, eles precisam (limitados como estão por severas políticas fiscais) que a comunidade internacional lhes permita maiores flexibilidade e gradualismo na interpretação e na aplicação das normas. Só assim poderão prosseguir com seus projetos de expansão e diversificação das exportações, sem o que não lhes será possível aproveitar as oportunidades propiciadas pela liberalização.


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