Folha de S. Paulo


Povo não vê melhora em economia que ainda tem focos de depressão

Uma crise econômica ruim, mas normal, pode acabar como no caso de quem se cura de infecção, com antibióticos e repouso, e sai para a vida. O fim da grande recessão parece mais a história de alguém que foi atropelado por um caminhão, teve fraturas múltiplas, pegou tétano, infecção hospitalar e tomou uns remédios fracos.

Vamos saindo muito capengas desse desastre, em uma recuperação rastejante, desigual e pouco disseminada pelos setores produtivos. Alguns dos números deste fim de ano explicam ainda o persistente pessimismo econômico do eleitor, registrado pelo Datafolha, e a confiança do consumidor, que não acompanha a das empresas.

No termômetro sociopolítico, a economia está mais fria que na medida do PIB.

Sobre a recuperação torta, tome-se o caso da indústria. Nesta semana, se soube pelo IBGE que a indústria de veículos cresceu 20% neste 2017. A indústria de alimentos, porém, não cresceu. As fábricas em geral, "indústria de transformação", produziram apenas 1,4% mais.

O grosso do aumento da produção industrial vem de montadoras, de petróleo e ferro e pouco mais de produtos eletrônicos. Dados da Anfavea mostram que a produção de veículos cresceu 28% no ano. Quase metade desse aumento foi vendida lá fora, exportada.

Muito melhor assim, claro, mas se percebe o desequilíbrio. O crescimento da produção não é disseminado, o investimento, menos ainda, com a construção civil tendo apenas chegado ao fundo do poço da depressão, na melhor das hipóteses.

Em suma, dependemos do sucesso de agricultura, extração mineral e carros. Sim, todas as viradas econômicas têm suas manhas, variam de acordo com contextos, com a situação do resto do mundo ou com acasos. Mas desta vez brincamos demais com a sorte.

Além de lerda quase parando, a recuperação é amarga para o povo miúdo. Pela pesquisa de comércio de IBGE, sabe-se que as vendas de híper e supermercados ainda caíam na soma dos 12 meses até setembro, embora tenha havido melhoria marginal mais rápida desde meados do ano.

Os empregos que começam a voltar são ruins, precários e pagam mal, na média, embora o total de salários venha crescendo em ritmo mais animador. Mas o povo não vive de agregados econômicos melhorzinhos, que não bastarão para mudar a vida do dia a dia até meados de 2018.

Além do mais, aparecem notícias assustadoras de demissões maciças em escolas e hospitais motivadas pelas oportunidades de barateamento da mão de obra oferecidas pela reforma trabalhista; de pioras na renda ou nas horas trabalhadas; de mais dureza na vida de comerciários.

São casos, "evidências anedóticas". Não há como saber ainda do ritmo e jeitão da mudança. Se a coisa pegar, pode ter impacto político relevante. Economistas dirão que haverá rearranjos. No atacado e no médio prazo, a reforma tornaria a economia mais eficiente e capaz de crescer mais rápido. Em tese, seria assim. Mas, ao menos no curto prazo, um ano, por aí, pode pegar mal para quem está empregado e resolver pouco para quem talvez consiga apenas um bico formalizado na nova CLT.

Em resumo, a política da recuperação econômica vai muito além da medida do PIB. A coisa ainda está enrolada.


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