Folha de S. Paulo


Hora de enterrar as carnes podres

Nelson Antoine/Folhapress
O sócio e presidente global da JBS, Wesley Batista, deixa a sede da Polícia Federal, em São Paulo, nesta quarta
O sócio e presidente global da JBS, Wesley Batista, deixa a sede da Polícia Federal, em SP, nesta quarta

O BNDES deve vender a participação que tem na empresa dos encanados Batista, a JBS. É o que escreveu o presidente do bancão estatal de investimento, Paulo Rabello de Castro, em sua conta no Twitter, nesta quarta-feira (3).

"Chegou a hora de o BNDES resgatar os investimentos de todos nós brasileiros na JBS", escreveu "@PRabello".

Por que apenas a JBS? O BNDESPar, empresa de investimentos do BNDES, tem participações em outras três dúzias de companhias.

Nenhuma é encrenca financeira ou criminal do tamanho da JBS (ou, mais importante no caso, nenhuma colocou uma corda no pescoço de Michel Temer). Ainda assim.

As relações entre Estado e empresa apodreceram ao ponto de se terem tornado outra vez uma ameaça ao que temos ou nos resta de política democrática. Para fazer um resumo ameno, o conluio das castas políticas, burocráticas e empresariais resultou em:

1) Corrupção geral das instituições, que muito contribuiu para a catástrofe dos últimos quatro anos;

2) Endividamento extra e letal do governo, da ordem de meio trilhão de reais, afora perdas com subsídios, uns 10% do PIB, tudo somado, por baixo;

3) Transferências maciças de renda para os mais ricos dos mais ricos;

4) Concentração da propriedade da grande empresa, formação de oligopólios;

5) Centenas de bilhões em investimentos improdutivos; incentivos maciços para empresas investirem em "relações institucionais" (do lobby ao suborno), não em produtividade.

Em suma, não deu certo. É preciso passar um trator nisso tudo, limpar o terreno, apartar Estado e empresa até pelo menos que "todos nós brasileiros" retomemos o controle sobre as instituições de governo do Brasil.

O BNDES foi o braço forte financeiro da formação desses conglomerados, os maiores deles apenas aglomeração ou associação de bandidos (Petrobras, maior empresa do país; JBS, segunda maior; Odebrecht, sétima etc.).

Não importa aqui se o BNDES foi ou não corrompido. O BNDES azeitou o funcionamento de um sistema corrupto.

Bancos estatais, que já haviam vitaminado algumas privatizações porcas dos anos FHC, se transformaram de vez em banqueiros da conglomeração nos anos Lula e Dilma.

Financiaram fusões, aquisições, salvações de empresas de telecomunicações, carnes, celulose, petroquímica, bancos, construção civil, combustíveis, farmácia, softwares ou calçados, como tantas vezes se escreveu nestas colunas. Das 50 maiores empresas do país, o governo é dono ou sócio de 22.

O governo à cata desesperada de dinheiro quer reaver mais cedo as centenas de bilhões que colocou no BNDES.

Por que não dar fim do BNDESPar? A empresa tem uns R$ 60 bilhões em participações societárias. Não é o caso de liquidar tudo isso agora em um feirão, claro. Há bons economistas e advogados para fazer um programa de venda rentável e sem picaretagens.

É possível imaginar os motivos pelos quais um banco qualquer teria uma carteira de ações. É mais fácil perceber por que um banco estatal brasileiro desta segunda década do século 21 não deveria estar nesse negócio.

Não deu certo, é um dos motivos da catástrofe que nos desgraça faz quatro anos, que "todos nós brasileiros" vamos levar uma década consertando, se tudo der certo.


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