Folha de S. Paulo


Impostos na feira nacional do suborno

Pedro Ladeira/Folhapress
Ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato, em sessão do STF que julga recurso de Lula e pedido de liberdade para Eduardo Cunha
O ministro do STF Edson Fachin, relator da Lava Jato

CADA MEDIDA provisória abria uma feira do suborno, em especial aquelas que tratavam de impostos. É o que fica mais claro e detalhado na torrente de inquéritos abertos para investigar a cúpula política, a "lista de Fachin".

Os mercados da imundície são vários, mas a compra de artigos de medidas provisórias (MPs), futuras leis, era um negócio "reinante", para usar o jargão da família Odebrecht que define prática duradoura no mundo da lambança público-privada.

Segundo a acusação da Odebrecht, pagava-se para obter reduções de impostos sobre exportação, importação e lucros no exterior, mudanças no ICMS, incentivos a setores industriais e o diabo.

Cada MP baixada pelo governo podia ser enxertada com assuntos estranhos ao seu objeto original, os "jabutis". Por vezes se modificavam alíneas obscuras, que rendiam bilhões a uma dúzia de setores diversos da economia.

Uma medida provisória podia tratar de contribuição para a Previdência, inovação nas montadoras, banda larga, computadores nas escolas, câncer e semicondutores, por exemplo. É um caso real, não uma enumeração caótica para impressionar.

Por que outras empresas, além da Odebrecht, não podem ter comprado artigos de MPs convertidas em leis? Leis inteiras? Alguém dá mais?

O caso da Odebrecht parece "hors concours", dados o tamanho, a expertise, a dinheirama e o histórico "reinante" da empresa. Porém, várias outras grandes companhias estão envolvidas em rolos diversos, do petrolão a fraude em concorrência, passando pela compra de decisões do "tribunal" da Receita Federal.

As causas desse desastre sistêmico e histórico rendem e renderão anos e quilômetros de teses e estudos. Mas é difícil que deixem de aparecer na lista de motivos desse colapso nacional a bagunça e a instabilidade da administração econômica.

Resolver assunto tributário por medida provisória é convite à bandalheira. Em 2015, o Supremo proibiu os "jabutis" nas MPs, mas sempre se pode apelar a um rinoceronte, resolução parlamentar ou medida provisória cascuda de lambança.

A barafunda de leis e exceções tributárias estimula a rapina. Governos quase sempre na pindaíba jamais são capazes de programar uma reforma tributária, pois temem perder receita (isso na melhor das hipóteses. Incompetência, ignorância ou mera vontade de corrupção podem entrar no cardápio de motivos).

Mesmo a aprovação de medidas de interesse nacional, como a MP que deu cabo à "guerra dos portos", rendeu capilé. Trata-se de lei aprovada em 2012 impedindo Estados de baixar o ICMS sobre produtos importados a fim de atrair para importadoras e negócios para os portos de sua região.

Era uma bagunça tributária, de resto ilegal, que prejudicava empresas brasileiras. Era uma versão reduzida da "guerra fiscal" entre Estados. Quanto não deve render, aliás, uma isenção fiscal para atrair empresas para seu Estado ou cidade?

A nojeira toda tem formas variadas, óbvio: ajuda em licitações, compras do governo, aquisição genérica de aliados para a causa da empresa corrupta e até apoio sindical, sabe-se agora. Não se comenta muito, porém, a hipótese de que a legislação econômica, que em parte ajudou a quebrar o governo, seja em boa parte um mosaico de subornos.


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