Folha de S. Paulo


O nó dos juros com a Previdência deixa a economia por um fio

Vista de hoje, a microscópica recuperação da economia está por dois fios. Um fio enroscado, na verdade, um nó de reforma da Previdência com taxas de juros, no Banco Central e nos bancos.

Por "recuperação" entenda-se um crescimento do PIB de 0,5% neste ano, por aí. Sem reforma previdenciária e com juros ainda na órbita da Lua, talvez não dê nem isso.

O que vai mal ou ainda pior?

1. Os resultados do comércio e dos serviços em janeiro foram ruins, abaixo até dos chutes informados dos economistas;

2. O Banco Central baixou devagar a "sua" taxa de juros no ano passado. Os bancos diminuem seus juros em ritmo ainda mais lerdo. O crédito na economia ainda cai em ritmo de depressão;

3. O peso do pagamento da dívida no orçamento das famílias diminuiu, mas para o nível ainda ruim de janeiro de 2016. As pessoas pagam dívidas, mas ainda enxugam gelo: juros altos descompensam o esforço;

4. A receita do governo cai de modo ainda horrível, mesmo despiorando. Não há dinheiro bastante para fechar as contas nem com o rombo já previsto para o ano. O governo vai cortar mais, investimento inclusive;

5. A reforma da Previdência está subindo no telhado.

Sim, estamos quase em abril. Sabe-se lá ou quase nada do que foi a economia em março. O fim do trimestre talvez tenha sido um tanto mais animado. Começou a pingar o dinheiro do FGTS. A inflação caiu mais ainda. Ouve-se das empresas que começou um chuvisco intermitente no que era antes um deserto que passou por uma seca de três anos.

Porém, em termos curtos, grossos e imediatos, a recuperação depende de consumo e investimento, que dependem de rendimento do trabalho (ainda estagnado) e crédito.

O valor dos empréstimos novos para empresas ainda despenca. Os juros se mantêm no alto.

Desde outubro do ano passado, a taxa de juros "do Banco Central", a Selic, caiu dois pontos percentuais (14,25% para 12,25%). As taxas mais importantes nos bancos, o custo das categorias de empréstimos mais volumosos, caiu menos que isso ou nada. Trata-se aqui de capital de giro paras empresas, financiamento de imóveis e veículos, consignado, por exemplo.

O Banco Central na prática avisou ontem que vai talhar os juros ao ritmo de um ponto percentual, agora (começou com 0,25 ponto percentual em outubro, chegou a 0,75 no mês passado). A inflação despencou muito além do previsto pelo "mercado", que reduziu também suas previsões de inflação até 2019. A atividade econômica saiu do choque quase letal para o coma estável. Então, talham-se os juros.

O que os bancos vão fazer disso é uma questão. Talvez a lerdeza permaneça até meados do ano. Então, vai se saber se alguma recuperação econômica miúda começou de fato e, importante, o que foi feito da reforma da Previdência.

A leitora pode não gostar da reforma previdenciária do governo, mas tem gente que gosta —ou fez suas contas pensando nisso. Os credores do governo ("mercado") em particular, empresários maiores também, em geral. Uma reforma desfigurada tende a deixar quase todo tipo de dono do dinheiro grosso na retranca (juros mais altos, investimentos menores).

Pelo menos, vai ser um pequeno choque, capaz de esfarelar o fio enroscado da recuperação.


Endereço da página:

Links no texto: