Folha de S. Paulo


Pássaros voando, melhor que mortos

Zanone Fraissat/Folhapress
Inflação voltou a acelerar em julho e fechou o mês com avanço de 0,52%
Consumidor faz compras em supermercado; varejo encolheu 6% em 2016

O CONSUMO DE VAREJO caiu mais de 10% em dois anos. Apenas em 2016, baixa de mais de 6%. Nos sete anos de bonança, aliás, exagerada de 2007 e 2013, as vendas cresciam a quase 8% por ano.

A previsão é que as vendas do varejo não cresçam nem caiam neste ano. É a estimativa de economistas de bancos maiores que publicam previsões sobre o assunto e da própria Confederação Nacional do Comércio, que prevê "estabilidade nas vendas".

Previsões econômicas são um gênero tedioso de ficção científica, escreveu certa vez Paul Krugman, Nobel de Economia. Mas é a história que podemos contar, com os dados disponíveis. Haveria novidades no enredo?
De positivo e ainda mal estimado temos:

Primeiro: um dinheirinho extra para gastar, os recursos que devem ser sacados das contas inativas do FGTS. Pode ser um extra de R$ 30 bilhões. Equivale a 1,4% do total da "massa de rendimentos" do trabalho (total de "salários") pagos em 2016.

Pouco? Não exatamente. Estima-se que o total dos salários cresça apenas 1% neste ano.

Segundo: inflação em baixa mais acelerada do que se esperava.

O grosso da baixa da inflação ocorreu do início de 2016 para cá. O IPCA passou do ritmo anual de 10% para o de 5%. Não vai baixar de novo pela metade, decerto. Mas a inflação abaixo de 4,5% no fim deste ano vai comer menos dos reajustes salariais, que andavam pela média de 7,5% em dezembro.

Há uma massa de rendimentos que foi quase inteira reajustada pela inflação passada e que não vai ser tão carcomida pela carestia deste ano: benefícios sociais como aposentadorias e assistência social. Os benefícios sociais federais equivalem a e um terço da massa de salários.

O advogado do diabo da recessão dirá, com razão, que o varejo não depende apenas das variações de rendimento. As vendas têm caído muito mais que a massa salarial, em particular depois do início de 2015.

Houve então também um colapso de crédito e de confiança, um tanto súbito, além de choques violentos na renda real (aumento de inflação, como no caso do aumento do preço da eletricidade).

O crédito deve ficar no zero a zero neste ano, segundo os maiores bancos. Mas a taxa de juros começou a cair de modo considerável.

O leitor, que é perspicaz, deve ter notado que o colunista procurar tirar algum leite da pedra desta nossa desgraça recessiva. Há novidades, mas são miudinhas. Mas é melhor um pássaro voando do que todos mortos.

Afora a nebulosa confiança de empresários e consumidores, não havia no ano passado nenhum motivo concreto de esperança. Esperança muito pobre, de qualquer modo, a de que a renda per capita do país não caia de novo neste 2017.

É o temos, por enquanto.

CENSURA

O espírito de porco autoritário de certa gente se alegra com a censura das reportagens sobre o processo de extorsão contra Marcela Temer. É deprimente e constrangedor ter de dizer o óbvio: não foi apenas um ataque aos jornais, Folha e "Globo", ao jornalismo, à Constituição, mas a uma liberdade dificultosamente instituída pela primeira vez faz 250 anos, parte de um troço chamado direitos humanos. É muito selvagem fazer troça disso.


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