Folha de S. Paulo


Brasil e sujeira debaixo do tapetão

Pedro Ladeira/Folhapress
Sessão no plenário do STF para decidir se mantém ou não liminar que determina o afastamento de Renan Calheiros da presidência do Senado
Sessão no plenário do STF que manteve Renan Calheiros na presidência do Senado

O governo do Brasil torna-se um sistema de arranjos, arreglos e casuísmos, mais ou menos combinados entre os mandantes de turno de cada um dos três Poderes, alguns de grande audácia, outros prudentes, mas também integrantes dessa regência do tumulto.

Para quê? Para evitar mal e mal um colapso econômico, basicamente apaziguar credores do governo ("mercado"). Para aplacar algumas fúrias "das ruas", ou a parte mais vocal delas, em geral para inglês ver. Para evitar o desmando puro, pois o parcial já impera.

Faz quase dois anos, o país mergulha no regime do "tapetão", gíria para tentativas de reverter resultados dos campos de futebol por meio de manobras judiciais.

O Brasil foi outra vez para o "tapetão" nesta semana, no julgamento do caso Renan. Já se viu coisa parecida neste biênio de degradação.

Gente do governo, do Supremo e do Congresso entra em conversações políticas de aparência legal a fim de evitar impasses, chamados de "crises institucionais". Essas próprias soluções são a própria crise institucional. São as soluções "é o que temos", para usar expressão da moda.

Muitos dos detonadores imediatos de crises têm sido os mandões do sistema político em suas tentativas de fugir da polícia (Eduardo Cunha ou a turma da "lei da anistia") ou acertos para evitar rolos jurídicos para figuras maiores. Por vezes, com apoio de presidentes da República, este e a precedente.

Outras crises surgem dos próprios remendões legais. Dilma Rousseff foi deposta por ações que, consideradas as fraudes de seu primeiro governo, poderiam ser objeto de um "termo de ajustamento de conduta", por assim dizer. Mas a letra fria "lei do impeachment" a princípio aceitaria apenas julgamentos de atos do mandato corrente. Dilma caiu pelo conjunto da obra. Mas não só.

Decerto o impeachment decorreu de fatores diversos: da gestão temerária do país em 2011-14, da revolta udenista contra o resultado da eleição de 2014, do estelionato eleitoral, da revolta com corrupções.

O piparote final do impeachment, porém, adveio da chantagem frustrada de Cunha e de comoções causadas por petelecos na lei, tais quais o vazamento do grampo de Dilma-Lula. Cunha, por sua vez, foi deposto com base em invenção jurídica no mínimo controversa, ainda mais agora, dado o desfecho do caso Renan.

Um motivo profundo e óbvio dessa desordem foi a transformação final do sistema partidário em uma multiplicidade de bandos negocistas. Os partidos apodreceram de vez na expansão dos negócios entre a casta político-burocrática e a casta empresarial-estatista, favorecida pela engorda do governo nos "anos dourados" de 2004-2011.

A politização da Justiça é um outro motivo. Além de se insultarem em plenário, fora dele e mesmo se acusarem de inépcias e coisa pior, ministros do Supremo se tornaram líderes políticos ou até sindicais, dados à falação extrajudicial desabrida, cada vez mais gritante ao longo deste século.

O entre nós sempre precário sistema de pesos e contrapesos vai se desmilinguindo. Reduz-se a um contraponto entre ousadias paralegais e remendos apaziguadores. Isto é, acordos políticos aos quais se procura dar alguma aparência legal, "ad hoc", combinados entre os regentes da desordem.


Endereço da página: