Folha de S. Paulo


Pnad volta a mostrar misérias revoltantes novas e antigas

É Natal. Ou Black Friday. Vamos reservar pelo menos 10% do tempo do nosso estresse natalino para sentir um pouco da culpa tradicional.

Vamos pensar nos 10% mais pobres do Nordeste, ainda uma tradição ou lugar-comum em termos de miséria: o décimo mais pobre dos nordestinos vive em média com uns R$ 3 por dia. Não dá para o cafezinho em padaria de São Paulo.

Por algum tempo, a gente parou de prestar atenção a essas estatísticas, que aparecem a cada ano quando começa o clima opressivo das festas. São os números da Pnad anual do IBGE, que saíram na semana passada.

O "crescimento chinês" da renda dos mais pobres não era pouco, mas se quebrou. A pobreza remediada ainda era grande e voltou a crescer.

A vida da metade mais pobre de fato melhorou com mais de 50% de aumento da renda na década anterior à Grande Recessão brasileira. Mas nos ocupamos de problemas essenciais e persistentes da pobreza e do crescimento? Quanto regredimos por causa desse descaso e de Dilma, a Ruinosa?

Começando pelo fim. O rendimento das casas que estão entre as 50% mais pobres do país regrediu ao que era em 2011, por aí. Os mais ricos perderam mais, diz a Pnad, embora os métodos dessa pesquisa acabem por produzir uma subestimação da renda no topo da pirâmide.

Os pobres do Nordeste continuam os mais pobres. A renda média da metade nordestina mais pobre equivale a 50% da metade mais pobre do Sudeste (na renda domiciliar per capita). Na metade mais pobre do Nordeste, uma casa com três pessoas vivia em 2015 com o equivalente a R$ 910 de hoje, em média. Pouco mais de um salário mínimo.

Há pobres por toda a parte do país, claro. Mas o exemplo do Nordeste serve para dar uma dica de que nos anos "chineses" não se pensou em mudança a fundo, "abalar estruturas".

O desemprego no Nordeste continua cronicamente maior que no restante do país. Em média, dois pontos superior ao do Sudeste, por exemplo (em setembro, era de 14,1% no NE e 12,3% no SE). A parcela de pessoas em idade de trabalhar que entram na força de trabalho é bem menor no Nordeste. A renda do trabalho é 60% da média das demais regiões, fora o Norte.

Qual o problema? Complicado demais para tratar nestas colunas modestas. Mas falta de escola e de infraestrutura, a distribuição horrenda da propriedade e política devem estar entre as explicações.

Apenas redistribuir renda (cobrar imposto e distribuir em forma de benefícios sociais) não resolve. A certa altura, se torna contraproducente, como se pode ver no estrago causado nos anos Dilma.

Conviria alterar economia e sociedade nordestinas: transferir renda (via impostos progressivos, sim), mas também para mudar o padrão do crescimento, investir para tirar tanta gente do isolamento empobrecedor (de falta de escola, estrada, infra social, o óbvio), de desemprego e subemprego.

Não se trata da bobice de "ensinar a pescar, em vez de dar peixe". Mas de reduzir diferenças regionais de produtividade. De aumentar a produtividade geral no país, aliás. O Nordeste é só caso mais extremo.

Mudar o padrão do nosso crescimento ou mesmo crescer deixou de ser assunto "progressista". É um motivo das derrotas da esquerda.


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