Folha de S. Paulo


A volta dos bilhões sujinhos

Não vai ter ainda mais corte nas despesas federais. O governo anunciou que já pode contar com R$ 6,2 bilhões de impostos e multas sobre o dinheiro "repatriado".

Isto é, fundos que foram enviados de modo ilegal para o exterior, que graças a uma lei de 2015 podem voltar sem que seus donos tenham de enfrentar a Justiça, grosso modo. Essa receita apareceu ontem na revisão periódica que o governo tem de fazer de suas contas.

É apenas parte do dinheiro que deve entrar, caso o Congresso não mexa na lei com algumas alterações picaretas, entre elas favorecimentos a políticos. Se mexerem, pode ser que os prazos de "repatriação" sejam modificados.

Apenas em novembro, depois que acabar o prazo da migração de dinheiros antes sujos e sujinhos, vai se saber quanto pingou no caixa do governo. Quando pode entrar?

No começo do ano, os economistas do ainda governo Dilma Rousseff estimavam que entrariam de R$ 21 bilhões a R$ 35 bilhões. O pessoal de Michel Temer deu cabo das estimativas oficiais. Em meados do ano, chutavam que seria possível trazer de R$ 20 bilhões a R$ 25 bilhões.

Ressalte-se a palavra "chute". Mesmo quem se dedica a tais contas, até por interesse profissional direto (advogados, financistas), usa métodos variados e não muito firmes para fazer as estimativas.

Um grande escritório de advocacia e um grande banco trabalham em conjunto para fazer projeções. Os números são baseados, em parte, em informações diretas de clientes que estão atendendo, dados que por sua vez fundamentam estimativas de quanto pode estar entrando por outras firmas do mercado, além de outros penduricalhos estatísticos.

O escritório e o bancão não querem aparecer. Na estimativa "conservadora" deles, o governo poderia arrecadar cerca de R$ 35 bilhões.

É uma dinheirama, equivalente a uns 0,6% do PIB. O deficit primário deste ano (receitas menos despesas, excetuadas aquelas com juros) está estimado em trágicos 2,7% do PIB. Obviamente, dado o deficit, tal dinheiro extraordinário será todo utilizado para tampar um tanto das contas do governo.

Outras estimativas da praça vão de R$ 20 bilhões a R$ 50 bilhões. São calculadas também por gente razoável. Mas, de tão disparatadas, fica difícil de aceitar alguma delas para algum uso útil.

Mais preocupante, no ano que vem o governo não poderá contar com essa refresco. Terá de fazer mágicas e milagres (vendas de ativos e concessões) a fim de conter um deficit que ainda será monstruoso, em um ambiente econômico que ainda não permite nem de longe cravar recuperação de receita ordinária (impostos).

No fim das contas do Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do quarto bimestre, este divulgado ontem, vê-se que a frustração de receita deste ano deve ser de 9,2%, em relação ao previsto no projeto de lei orçamentária para 2016, feito no ano passado.

Isto é, serão R$ 108,4 bilhões a menos (mais que o dobro de tudo o que o governo federal gastará em investimentos "em obras" neste ano). Em relação ao Orçamento ainda mais fictício aprovado pelo Congresso, a perda de receita é de 12% (R$ 148 bilhões a menos). Quando aparecerem as próximas projeções de receita e despesa, convém lembrar desses números disparatados.


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