Folha de S. Paulo


Temer fica indignado com boatos da reforma trabalhista, mas não colabora

Michel Temer reagiu irritado aos boatos exagerados a respeito da morte da CLT. O presidente ora efetivado no emprego porém ainda não explicou direito o seu plano de mudanças.

O Plano Real e o primeiro governo FHC poderiam servir de exemplo na maneira de apresentar e implementar as medidas, pensando seu ritmo e seus efeitos sociais, políticos e econômicos. Mas o governo Temer se arrisca de parecer com o foguetório atabalhoado de medidas mal sequenciadas de Fernando Collor.

Há boatos ignorantes ou propaganda de má-fé a respeito de mudanças na CLT. Mas o que resta de fato, embora ainda vago, não é muito menos assustador para o cidadão comum.

O governo parece uma nuvem de onde partem só raios e trovoadas de medidas que, ao menos no curto prazo, devem esfolar ainda mais alguns dos pobres e os assalariados.

A cúpula do governo não parece perceber que apenas o congelamento de gastos por uma ou duas décadas e a reforma da Previdência seriam mudanças históricas em pactos essenciais do funcionamento do país, uma reviravolta constitucional.

Reduzir o governo federal em até um quinto, na próxima década, é enorme. Reforma da Previdência implica mudar as relações de trabalho, a poupança nacional e o conceito de seguro social.

Como se não bastasse, o desastre fiscal é o grande, decisivo e imediato empecilho à retomada do PIB. A mudança na CLT não é. Logo, o essencial é conter a dívida pública.

Reforma trabalhista "liberal" implica de imediato a redução de salários. Em tese, em um resumo de manual, pode eliminar distorções de custos e entulhos na alocação eficiente de capital, o que em um segundo momento acelera o crescimento econômico.

A evidência histórica dessa tese geral é controversa. No entanto, tal ou qual regulação do trabalho, em certo contexto, pode mesmo emperrar o crescimento.

As empresas (excluídas as picaretas) não sabem muito bem seu custo salarial no médio prazo, dada a incerteza do que sairá de decisões judiciais. O cálculo econômico se torna imponderável, o que prejudica investimentos (há evidências) ou induz que se joguem as taxas de retorno para a lua, "por conta" do custo trabalhista incerto.

Multa por demissão parece incentivo equivocado. Em tese, uma empresa que treina trabalhadores e paga mais para mantê-los empregados por mais tempo será mais prejudicada em caso de recessão ou reviravolta do mercado. O peso das multas é menor para empresas que pagam pouco e rodam mais a mão de obra.

Isto posto, o que colocar no lugar a fim de proteger o trabalho? O caso do "acordado" sobre o "legislado" parece uma bonita tese geral até que se pergunte: e o trabalhadores sem organização, sob sindicatos de fantasia, pelegos ou mesmo corruptos?

É preciso flexibilizar, terceirizar? Sim. É fato também que terceirizadas são becos de espancamento de direitos trabalhistas. O assunto, pois, é muito enrolado.

Aproveitar a ocasião do "governo de transição" para passar um rodo de reformas no povo bestificado pode dar besteira. Para piorar, não há contrapartida de sacrifício dos mais ricos. Desde que se "candidatou" a suceder Dilma Rousseff, Temer fala em "reunificação" e "pacificação". Falta fazer.


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