Folha de S. Paulo


O governo relaxa

"Eu acre-di-to", canta por vezes a torcida ansiosa por pelo menos alguma escassa vitória na Olimpíada. A torcida econômica ainda parece cantar na mesma toada pelo governo da economia de Michel Temer.

Mais que isso, continuam a aparecer umas pequenas medalhas de bronze, a retomada cíclica da economia. Cíclica: tendo ido ao fundo do poço e sem novos desastres, alguma atividade econômica começa a sair das catacumbas.

A política, porém, ameaça cavar mais espaço para o seu ossário. Nesse buraco, sempre cabe mais um, a economia inclusive.

A indústria, por exemplo, cresceu quatro meses consecutivos, o que não acontecia desde 2012, Olimpíada de Londres, notem. Sim, as fábricas saem das profundas das catacumbas, o menor nível de produção em uma década, por aí. Mas saem, por enquanto, pelo menos.

Pode ser que o investimento em novos equipamentos e instalações produtivas tenha crescido no segundo trimestre, depois de dois anos e meio em baixa. Dois anos e meio, favor prestar atenção.

Isso nada tem a ver com Michel Temer, mas com o fato de não haver Dilma Rousseff. O governo e a coalizão do presidente ainda interino, porém, podem dar sua contribuição para a volta dos mortos-vivos ao buraco de onde tentam sair.

Acalmadas as ruas e passado o sentimento de catástrofe iminente, a casta política parece se sentir à vontade no seu casulo sombrio, quando não imundo.

O núcleo político dá cotoveladas inacreditáveis, pela estupidez, em Henrique Meirelles. Dedica-se cada vez mais à vontade a fazer acertos, como aqueles já velhos, com as corporações, e com os governadores e quem mais vier.

Tão confortável que está a casta política com a anestesia ou exaustão dos espíritos que agora começa a se dedicar ao acordão que vem ensaiando desde 2015. Isto é, livrar-se das degolas da Lava Jato, agora em acordo com parte da casta empresarial ameaçada pelos calabouços.

Sem oposição, a vida no casulo fica mais fácil, fica mais fácil fazer arranjos e acreditar de modo ignorante e irresponsável que basta conversa fiada e remendos para a economia sair do buraco. Assim, vão acabar cavando outra cova.

Apesar dos pequenos brotos verdes aqui e ali, a economia está em uma recessão de uns 5%. O mercado de trabalho deve continuar a piorar até o fim de 2017. Serão quase três anos de alta do desemprego.

O crédito não reage. O consumo cai. A inflação perde velocidade a um ritmo desesperador de lento; a carestia da comida anda ainda pela casa dos 12%. Dada a perigosa valorização do real, a horrenda baixa da renda e a dureza nova do Banco Central, é possível, que a inflação baixe enfim no ano que vem e as expectativas melhorem até o fim deste 2016. Mas a baixa rápida de juros ficou para as calendas.

Não é preciso, pois, muita marola para afogar a confiança de consumidores e empresários, que mal e mal coloca a cabeça para fora da água.

Os bancos e outros donos maiores do dinheiro grosso ainda torcem, douram as pílulas de esperança e acreditam que Temer vai aprovar as duas tábuas de salvação do governo e da recuperação econômica, o teto e a reforma previdenciária. Espera-se que o governo tenha ouvido o recado, na última semana.


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