Folha de S. Paulo


Temer deve lembrar de Dilma

Michel Temer tem algo a aprender com a derrocada de Dilma Rousseff. Deveria meditar sobre uma causa próxima da queda da presidente, o estelionato eleitoral.

Temer deveria refletir sobre o alheamento autoritário da realidade que levou Dilma a renegar, de modo chocante e sem mais, os compromissos de uma campanha eleitoral ainda fresca de poucas semanas na memória dos cidadãos. No mínimo, de uma perspectiva cínica, a ruptura de pactos sociais e democráticos é contraproducente. Alimenta oposição e instabilidade.

Temer pretende rever ou revogar, dê o nome que se quiser, aquela imensa parte do ordenamento socioeconômico que depende do gasto público, em ambiente de degradação social acelerada. Qual a perspectiva de futuro que ofereceu? De repactuação social, distribuição justa de perdas e danos? Até agora, nenhuma.

O presidente interino apenas apresentou a versão bruta, para não dizer por ora tosca, da diretriz central de sua política econômica: o congelamento dos gastos do governo federal. Como está mais do que sabido, isso implica contenção do gasto em saúde, educação, assistência social e Previdência.

Dado o tamanho do desastre, difícil imaginar alternativa ao congelamento do gasto mais ou menos no nível deste ano (dadas minúcias das contas de inflação e outras, o gasto deve até crescer em 2017. Mas isso é detalhe). Mas, assim posto, esse plano parece inviável em termos econômicos e sociais.

Nos termos brutos de agora, o "plano Temer" implicaria deficits fiscais até 2021. É o que se pode projetar, dado que o deficit federal recorrente seja ora de uns 2% do PIB e que a receita federal cresça no ritmo do PIB nos próximos anos, afora detalhes menores da conta. Para dar um chute informado, a taxa de crescimento projetada foi a média da estimada pelos maiores bancos privados do país, Bradesco e Itaú.

A fim de reduzir o deficit e, assim, controlar o crescimento da dívida e permitir baixa mais rápida de juros, seria necessário um grosso aumento de impostos. Algo como uma CPMF gorda e mais algum ganho de receita (fim de isenções fiscais e privatizações).

"Aumento de imposto não resolve", diz um coro de economistas respeitáveis. Apenas arrocho também não. A economia precisa voltar a se mover, logo, nem que seja a princípio engatinhando. A perspectiva de fim do colapso fiscal decerto ajuda a ressuscitar o PIB. Medidas para destravar investimentos, se o governo for capaz de tomá-las, também. Mas uma taxa de juros menos indecente é crucial.

A carga tributária é alta? Que seja. Mas está mais ou menos estacionada faz dez anos. E está alta para quem? Empresas foram desoneradas. É quase sempre má ideia tributar empresas. Mas o que se pode fazer com altos rendimentos?

A conta precisa ser mais bem distribuída. Num primeiro ano, não se vai sentir tanto o arrocho social federal. A seguir, sim. O teto de gastos pode ou deve gerar ganhos de eficiência do gasto, minimizando o arrocho, mas isso demora.

São necessárias compensações: alguma tentativa de crescimento já, moderação no desemprego e melhoria de receitas que podem aliviar o arrocho social e o descalabro irresponsável nos Estados.
Plano econômico é muito pouco para a tragédia brasileira.


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