Folha de S. Paulo


A elite política está viajando

Michel Temer diz que não será candidato a presidente em 2018. Mas é, por ora, apenas candidato a presidente em 2016 de um governo que talvez nem termine.

Dois ministros virtuais desse governo Temer apenas incubado seriam, porém, desde já "presidenciáveis", José Serra e Henrique Meirelles. Lula será caçado até que seja condenado como "ficha suja" e inelegível? O que sairá do PSDB?

Mais que lotérica, a especulação sobre 2018 demonstra descaso conservador e alienado com os anos de vida ruim que virão e com os reclamos de mudança política que brotaram em 2013. Dá a impressão de que o país vá se conformar bestializado com o esfolamento dos próximos dois anos, que vá morrer sem retrato, sem bilhete, sem luar e sem violão.

Espera-se que Temer promova a "recuperação da economia", mas a frase diz quase nada. O PIB pode reagir com a volta de algum investimento, mas a desgraça ainda estará solta nas ruas. Não é destino, mas, na vida cotidiana, o pior não terá passado antes de 2018, na melhor das hipóteses.

O desemprego será crescente
ou grande em uma economia que terá encolhido uns 10% de 2014 a 2016. Os serviços públicos de que depende o povo miúdo, a maioria, estarão depauperados e arrochados por anos.

Para completar, o cidadão ouvirá conversas perturbadoras sobre aposentadorias, direitos trabalhistas e outros aspectos da ordem com a qual estava acostumado.

Parece óbvio, mas o establishment político ainda parece na prática ignorar que é quase odiado.

Pesquisas eleitorais fora de hora não prestam para enxergar longe, mas dizem algo sobre o que está diante do nariz. Perto de 10% do eleitorado diz que gosta de Bolsonaro. Os demais "candidatos" juntam votos bastantes apenas para chegar em terceiro lugar numa eleição de verdade e padecem de níveis letais de rejeição.

O exemplo mais recente de tamanho nojo são os anos de 1987-89. Distantes, servem ao menos de alerta para 2016-18.

No final dos 1980, o país chegava à década perdida do crescimento, desigualdade e pobreza estavam em pontos altos, havia hiperinflação. As promessas da Nova República, da redemocratização e dos planos anti-inflacionários fracassados, se esfarelavam. A elite política, inepta e estelionatária, se desmoralizou. Na final da eleição de 1989, restaram apenas os outsiders Collor e Lula.

Havia então alternativas, par-
tidos em ascensão, o PT e, mais
tarde, por obra de FHC e do Real,
o PSDB, então representantes
de forças sociais e econômicas relevantes.

Agora, há praticamente ruínas de representação e nanicos. Parece improvável que Temer vá gastar seu capital político em um remendo de reforma política capaz pelo menos de acabar com a farra da fragmentação partidária negocista. Seu governo dependerá justamente da coalizão dos partidecos farristas.

Também importante, não há liderança que dê algum sentido à vida no país: uma visão do que se pode esperar do trabalho, da escola, da saúde, da proteção social, para ser quase ingenuamente específico.

Pode ser que o povo se aquiete, tolere o esfolamento e a farsa dos partidos fantasmagóricos. Pode ser que prevaleça a tão normal inércia bestializada ou pasma. Mas pântanos silenciosos são um lugar suspeito e assustador.


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