Folha de S. Paulo


Caos e xarope de jararaca

Oposição e partidos ainda pendurados no governo recomeçaram a atravancar os trabalhos no Congresso, como previsto e prometido. Alguns desses partidos em tese ainda na coalizão de Dilma Rousseff, eméritos mensaleiros e petroleiros, discutem se abandonam de vez o barco. A presidente, desesperada para manter alguém do seu lado, começa a discutir a postergação "sine die" dos planos de reforma da Previdência, que de resto já vinham sendo rasgados mesmo dentro do Planalto.

Assim começa a semana. Dilma Rousseff tropeça nas ruínas da semana passada, que se juntaram aos destroços que fazem a paisagem política de seu governo e entorno.

O esboroamento não para por aí. As lideranças do PMDB, senador Renan Calheiros e o vice-presidente Michel Temer, não querem fazer marola até o congresso do partido, no sábado, mas marés sobem contra a nossa vontade. A do impeachment está em alta, de novo, no partido.

A fim de evitar novos e precoces arranca-rabos, como os do ano passado, a direção do PMDB deve liberar a manada que, de qualquer modo, já está estourando. Quem quiser votar isso ou aquilo com o governo, pois está com alguma boquinha, cargo, sinta-se à vontade. Quem quiser votar contra, também. A depender do que vier das ruas e de Curitiba, o partido repensa o que fazer, na semana que vem.

PP, PTB e PRB podem abandonar o barco do governo. Na prática, já estão jogando contra faz algum tempo: ainda mantêm boas relações com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, PMDB, que, enquanto estrebucha, espuma veneno à sua volta.

Um ministro próximo de Dilma Rousseff parecia ontem especialmente desacorçoado. Dizia, como é óbvio, que apoiar as ainda nebulosas reformas de Nelson Barbosa, ministro da Fazenda, vai "acabar com a base" [social do governo] e acabar de afastar o PT; levar o plano adiante é quase causa perdida, pois não vai haver apoio ou clima para ao menos discutir o assunto antes da eleição municipal. Bidu.

O problema do ministro é: além de se salvar, qual discurso então sobraria para o governo?

"Virada à esquerda"? Não, ninguém nem remotamente pensa nisso, diz o ministro. Parlamentares do PT e outros "mais à esquerda" continuam a sugerir, porém, "medidas de estímulo", "retomada dos investimentos federais" e coisas assim.

Esses parlamentares, que andam conversando com a equipe econômica, não chegam a reivindicar a implantação do programa econômico doidivanas que o PT anunciou na semana retrasada. Mas parecem completamente alheios ao que se passa na economia e nas contas públicas, que estão se desmilinguindo, e indiferentes ao que pretende a Fazenda.

Na verdade, esses parlamentares acabam de sugerir que o governo aumente o deficit primário em volume suficiente para cobrir o corte dos investimentos federais no ano passado. Na prática, feitas as contas certas, querem que o deficit seja outra vez de 2% do PIB, como em 2015 (que no entanto teve 1% do PIB gasto em pagamento de "pedaladas").

Isso tudo parece decerto desvario e, nesses termos, não merece mínima discussão séria. No entanto, é um retrato do que se passa em Brasília. O governo desmorona; o Congresso para; o restante do apoio político receita xarope de jararaca para curar a economia.


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