Folha de S. Paulo


O Natal das mulheres do Rio

Aconteceu faz algum tempo, mas acho que ainda se lembra do que é a história do Natal. Não muito?

Um casal um tanto fora do padrão da época viaja a fim de cumprir uma ordem burocrática do governo, viagem muito penosa, pois a jovem está muito grávida. No meio do caminho, ela dá à luz um menino, em uma casa pobre, no canto onde se guardavam animais de criação, como seria típico do tempo. A nova família não tem quase descanso. Para salvar a criança, precisa fugir dos soldados do autocrata paranoico e genocida que governa o país deles.

O extraordinário absoluto, um nascimento divino, acontece na vida da gente mais comum, talvez menos do que isso, das mais pobres: um trabalhador manual sem especialização ("técton") e sua mulher, que vivem em uma cidade pequena e periférica de uma província distante e oprimida.

A história ainda impressiona alguém com pelo menos uma remota lembrança de espírito cristão, ainda mais nesta época propícia ao sentimentalismo e ao sentimento de culpa, de exageros no meio da pobreza, mesmo que culpa provisória, quase ritualmente hipócrita. A história fica ainda mais impressionante quando tristezas horríveis desta terra feroz vêm a calhar.

NATIVIDADE

Quem deu ontem uma volta pelas redes insociáveis decerto viu a foto das mulheres grávidas do Rio, deitadas em um corredor, entre outras indignidades da miséria subitamente maior dos hospitais da cidade, do Estado. Não há dinheiro para ataduras, por assim dizer, menos ainda para uma cama limpa de parto, que dirá para sofrimentos ruins.

Fazer Natal rimar com "ajuste fiscal", mil perdões, é de um mau gosto de vários costados, uma emenda canhestra em quase qualquer situação. Mas é esse o nosso caso.

Pelos cafundós do país, ou nem tanto, não é incomum que mulheres deem à luz com a roupa do corpo, com a roupa com que chegaram ao hospital, em cama sem lençol, quando há hospital, não é ocioso dizer.

Agora coisa parecida, quando não pior, está acontecendo na cidade do Rio, no centro rico ou remediado do Brasil. Talvez não fosse de espantar, pois mesmo um dos lugares menos incivilizados do país é ora governado por uma gente que espanca mulheres, defende o costume e produziu tipos facinorosos que ora estão em comandos do Parlamento do país.

O Rio de Janeiro está praticamente quebrado, sem dinheiro como um desses buracos do inferno sobre a terra, esses países bananeiros-petroleiros que gastam nos tempos de petróleo caro e se afundam quando o mercado vira, uma gente primitiva e grotesca.

Em suma, trocando em miúdos, a arrecadação de royalties e receitas associadas ao petróleo diminuíram, dadas a queda do preço do barril e a ruína da Petrobras, cortesia do pensamento vivo de Dilma Rousseff.

Criaram-se despesas permanentes com dinheiros excepcionais de tempos de boom, como também se fez no governo do Brasil. O Rio não é um caso isolado.

Com variantes na estupidez, estão quebrados o Rio Grande do Sul, o Distrito Federal, o Paraná. Em tese, lugares um tanto menos selvagens do Brasil, com universidades e renda bem acima da média medíocre do Brasil.

Como foi possível essa regressão, gente tão desclassificada tomar o poder em quase toda a parte do país?


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