Folha de S. Paulo


Quase silêncio na confusão

Não é bem silêncio. Talvez seja discrição oportunista de certas elites, combinada ao fastio entorpecido, raiva cansada, da maioria dos comuns. Apesar dos ruídos políticos previsíveis, a detonação do impeachment parece ter explodido em um vácuo social. Não fez barulho.

O vazio é o da política maior, o abismo entre a política politiqueira dos partidos podres e a vida real. Há pouca conversa entre os dois mundos; há muito conchavo.

Há militâncias explícitas, contra e a favor de Dilma Rousseff, é evidente. No entanto, ressalte-se, nas elites do poder e do dinheiro há receio de embarcar em alguma das canoas, até nas preferidas. "Organizações da sociedade civil" (as velhas) fazem manifestos desenxabidos. Não há líder político na rua. Lula está meio quieto. Movimentos sociais pró-Dilma não querem dar apoio incondicional, pedem um "sinal de esquerda" da presidente.

A oposição ainda não tem os votos para abrir de fato o processo de impeachment, o que seria quase uma condenação de Dilma. O governo ora não tem o poder de estancar a sangria que a oposição quer fazer durar até o Carnaval. Os PMDBs não mediram suas forças, pró e contra Dilma. Nestes dias, o Planalto tenta até comprar apoio no varejo dos cargos.

Michel Temer articula, como fazia antes mesmo de Eduardo Cunha espirrar no país ainda mais da lama na qual se debate. O vice, porém, parecia tatear devido à indefinição no seu partido e do mundo do dinheiro, o que viu em pessoa no final de semana paulistano. Mas, ontem de noite, tornou pública sua irritação com Dilma, com o que se afastou mais um passo do Planalto, estimulando peemedebistas a escolherem um lado.

Há gente graúda do comitê banqueiro-empresarial de "apoio a Dilma" ainda na dúvida sobre o que fazer, embora estejam todos fartos da presidente; todos preferem apenas uma inviável renúncia, para já, para ontem.

Há evidências mais anedóticas de desconcerto, de gente que não só quer decapitar Dilma Rousseff mas qualquer hipótese de governo de esquerda pelas próximas décadas.

Algumas dessas pessoas, da finança, comentam acabrunhadas os editoriais da "grande mídia" estrangeira, que faz muxoxos de desprezo para o nosso bananismo institucional. Para estupefação de quem espinafrava as de fato pavorosas situações de Argentina e Venezuela, é até possível que tais países ainda consigam fazer uma troca de guarda política mais organizada do que a nossa.

A oposição acredita que o tempo será o senhor da deposição de Dilma Rousseff. Na volta do recesso de festas e torpor de janeiro, o acúmulo de sofrimento e raiva criaria ambiente propício à explosão. Pode ser. "Zikas", como se diz na gíria e, agora, no hospital, não faltam, embora não tenda a ocorrer nenhum repique dramático da crise, apenas degradação contínua, talvez algo mais rápida no desemprego.

Quem vai acender os pavios? A elite política quase inteira continua a olhar para seus umbigos sujos; não se escuta nenhum discurso que indique o que será do futuro. Os padrões da militância "das ruas" estão alterados, os militantes antigos estão deteriorados e parte da militância nova (de direita) ainda não tem "know-how" da coisa.

Tudo parece ainda mal parado.


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