Folha de S. Paulo


Os meninos de SP e as zikas

No sonho da razão da maioria dos economistas, a derrubada de Dilma Rousseff dá em um governo que leva o Brasil a atravessar a "Ponte para o Futuro". Trata-se do nome do programa ultraliberal lançado pelo PMDB a fim de se credenciar como candidato economicamente "responsável" à cadeira da presidente decapitada.

Pode ser que o país esteja se desmilinguindo com rapidez bastante para apressar a subida de Dilma Rousseff ao cadafalso do impeachment. Assim, é razoável também especular como o povo já tão esfolado receberia as notícias da reforma liberal, que teria a oposição de movimentos sociais já organizados e do que restar do PT. Mas não apenas. O povo ralado pela recessão tem ainda outros problemas, "zikas" e ideias novas de política.

Considere-se o caso dos estudantes secundaristas de São Paulo, que puseram Geraldo Alckmin para correr. É uma outra revolta fora dos padrões da militância, com consequências relevantes. Antes, houvera a onda dos universitários de esquerda do Movimento Passe Livre (MPL), que começou como rebelião do vintém dos ônibus e deu em Junho de 2013.

O movimento dos secundaristas pode se dissolver ainda mais rapidamente que o MPL, mas não é isso que importa aqui, assim como não é o caso de prever insurreições. Importa que existem insatisfações que têm extravasado de modo inusual, em parte porque os partidos estão podres e muito movimento social foi cooptado pelo governo de esquerda. Mas não apenas.

Entre as mil flores de Junho de 2013, por exemplo, estão a direita de rua ou só os antipetistas. Há centenas de "coletivos" periféricos que talvez deem as caras em uma batalha do impeachment ou na tentativa de derrubar a "Ponte para o Futuro".

Mais antigos, há os sem-teto, que não foram domesticados pelo petismo, apesar de aliados. Inédito, há as manifestações das neofeministas. Enfim, o cidadão na média é diferente. Por exemplo, em 2004, 33% dos estudantes de 18 a 24 anos estavam no ensino superior; em 2014, eram 58,5%, nos diz o IBGE.

São sinais de que está mais difícil prever o que virá "das ruas" ou quem será o objeto preferencial do protesto.

Além do mais, repita-se que esse cidadão passa pelos horrores da "conjuntura". Inflação perto de 10% até o primeiro trimestre de 2016. Desemprego indo para o nível mais alto em uma década, em especial entre jovens. Mais Estados e prefeituras ficarão na pindaíba, reduzindo serviços sociais básicos já precários ou deixando de pagar salários.

Há problemas "circunstanciais" ruins. Exemplos. A zika, essa doença do nosso primitivismo, vai assustar as pelo menos 4,5 milhões de grávidas de 2016 e suas famílias. "Ninguém" liga, mas o Nordeste passa por uma seca histórica, que já dura quatro anos, com mais de 71% dos municípios da região em emergência (sem água, de fato).

Não importa aqui o mérito, mas um programa liberal aparecerá para essas "ruas" como menos gasto em saúde e educação (o que já está rolando), redução de valor e número de aposentadorias, contenção do salário mínimo, mudança em leis trabalhistas e repressão salarial de servidores.

Não há como prever revoltas,
claro. Nem como dar de barato
que a "Ponte para o Futuro" será um passeio.


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