Folha de S. Paulo


As mortes de Paris

Quando a gente vê uma manifestação em Paris, uma "manif", é muito provável que seja uma passeata que começou na praça da República e acaba na praça da Nação, République-Nation, pelo boulevard Voltaire.

A maioria das pessoas assassinadas na noite de sexta-feira para sábado caiu pelas ruas das redondezas desse caminho de protesto político democrático e de bares simpáticos. Foi pelo boulevard Voltaire que passou parte da massa que gritava contra os massacres de janeiro, entre eles o do "Charlie Hebdo".

Vai-se diretamente da République à Nation pela avenida que leva o nome de um dos iluministas maiores, Voltaire. É o caminho tradicional de manifestações republicanas ou de esquerda, de sindicatos, de movimentos mais populares.

No mais, as ruas dali são um lugar de festa. Os terroristas atacaram bares e casas de show que ficam em um região, "quartier", pop-popular jovem, um tanto na moda desde meados dos anos 1990, o Oberkampf.

Não se sabe se os monstros do morticínio escolheram esse lugar de propósito: lugar de "manifs" históricas, perto do "Charlie Hebdo". Ou se apenas acharam mais fácil matar jovens que se divertiam no começo do final de semana em um lugar mais obscuro, que não é lá muito turístico, no melhor dos casos. Por ali, os terroristas não chamariam muita atenção. A torre Eiffel fica exatamente no polo oposto da cidade, por exemplo.

République-Nation, Oberkampf, Parmentier não são lugares chiques da Paris, enfim. Ficam ali na zona leste, um dia região de fábricas. Nos tempos de disputa política extremada, direita versus esquerda, democratas (ou nem tanto) contra fascistas, o leste era "gauche", lugar de manifestações mais à esquerda.

Um tanto mais para baixo, fica a praça da Bastilha. Um tanto mais para a direita e para cima, fica o cemitério do Père Lachaise, esse sim turístico, mas fora do caminho mais batido da cidade.

CAPITAL DO TERROR

Chamada de capital de tantas coisas, Paris também é uma capital do terror. Ali se matam inimigos políticos estrangeiros, que migraram ou se exilaram na França –se matam entre eles mesmos. Vez e outra, massacram-se judeus.

Desde os anos 1960, de mais comum houve atentados da parte de argelinos, armênios, palestinos, corsos, bascos e, agora, de "extremistas islâmicos", diga-se assim, pela falta de nome melhor para essa escória.

Desde o final dos anos 1980, parecia haver um declínio da frequência de ataques. Em meados de 1990, ocorreu um repique do terror, a estreia mais certeira dos "islamistes", no caso argelinos.

Este colunista morava em Paris quando começou a onda terrorista de 1995-96, de gente ruim amadora e quase sem recursos. Explodiram bombas caseiras nos metrôs que eu tomava todo dia, matando 12 pessoas. Explodiram uma bomba diante da agência do meu banco e numa feira perto da Bastilha (feira de rua, igualzinha às nossas). Minha feira.

O risco de atentados causava mais estranhamento do que medo, ainda mais para quem vem do Brasil (mesmo não tendo morado nas zonas de guerra e terror onde vive muita gente pobre). Perto do massacre deste novembro, era quase "vida brasileira" comum.

Agora, é outra história.


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