Folha de S. Paulo


Crises, muito além do Brasil

Quando o preço do dólar dá uma acalmada, a gente volta a ser tomada pelo delírio de que o grande mundo lá fora inexiste. No entanto, juros, PIBs e conflitos dos países relevantes definem a largura da estrada estreita por onde chacoalha este calhambeque, Brasil.

A casa-grande mundial despertou nervosa no início de 2015, um dos motivos que levaram o dólar da média de R$ 2,70, de dezembro a fevereiro, para os R$ 3,17 de março, com um pico de R$ 3,30. Provavelmente o mundo lá fora foi a metade dos motivos da desvalorização, o resto devendo-se à nossa quizumba sabida.

A especulação com o início da alta de juros nos EUA tem sido o motivo externo preponderante dos paniquitos do real desde 2013; foi o que ajudou a nos abalar de novo no primeiro trimestre. A nova onda des-
sa febre terçã deve atacar no mais tardar lá por agosto. Mas há ainda outros problemas que podem voltar a ser desengavetados do armário das crises internacionais. China, por exemplo.

Por ora, um outro espectro já velho de meia década pode voltar a fazer algum estrago antes do início do verão do Norte: a Grécia. "Outra vez essa conversa de Grécia?" É. E daí? Nem os mercados financeiros parecem dar trela para a nova temporada do drama grego. Em tese, os donos do dinheiro já estariam protegidos contra calotes da Grécia ou mesmo contra as tensões "psicológicas" do adeus grego à zona do euro.

A sinopse da sexta temporada da série "Adeus, Grécia" é o seguinte. O Syriza, partido da nova esquerda, no poder desde janeiro, negocia a extensão do pacote draconiano que evitou a bancarrota oficial grega em 2012.

Queria, na verdade, transformar essa extensão em um pacote novo, pelo qual o governo grego teria outro desconto na dívida, poderia gastar um tico mais, evitando arrocho adicional, e seria desobrigado de reformas "liberais". "Liberais", embora boa parte delas apenas ponha ordem no setor público grego, uma baderna perto da qual o Brasil do governo Dilma 1 pareceria a Suécia.

Alemanha, BCE (Banco Central Europeu) e FMI por ora não dão sinais de que vão ceder à conversa do Syriza, que está à beira de não ter o que dizer em casa, aos gregos que votaram no seu programa de esquerda, ou à beira de dar o calote, pois desta vez o dinheiro está mesmo no fim. Ou paga as prestações que deve a FMI e BCE ou paga salários e outras contas domésticas do governo.

Se der o calote externo, o que pode acontecer de maio a agosto, na prática os bancos gregos ficam sem crédito externo (do BCE) e, em suma, quebram. A quebra dos bancos seria o caos. Para evitá-la, afora milagres, o governo grego teria de criar dinheiro a fim de tapar rombos bancários, entre outras medidas heroicas (controle do câmbio, fechamento do setor financeiro por um tempo etc.). Isto é, o governo teria de recriar a dracma, que nasceria sob risco de hiperinflação.

Pode ser que o calote grego por si só não provoque uma queda de dominós financeiros. Mas o deslocamento da Grécia para fora da zona do euro tende a provocar terremotos de origem mais política, dúvidas sobre o restante da unidade europeia e algum tremelique "psico" na finança mundial.

Convém prestar alguma atenção.


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