Folha de S. Paulo


O choque sendo chocado

A calamidade confirmada das contas do governo, os motivos que o Banco Central apresentou para aumentar os juros e ideias que circulam entre aqueles que podem comandar a economia dão pistas do choque que está sendo chocado para o governo Dilma 2.

Isto é, pelo menos até que a presidente se revolte com esse programa mínimo e diga "cortem as cabeças" de quem quer "ajuste". Mas a presidente, que no fundo é uma boa alma, talvez volte inspirada pelos ares da Bahia, onde descansa, e comande a mudança para evitar o pior.

DÓLAR EM ALTA. O Banco Central deu a entender que espera alta duradoura do dólar e de preços regulados (combustíveis, eletricidade, talvez passagens). O BC pode ter parte ativa na desvalorização do real. Nas próximas semanas, decide se continua com o programa de controle do preço do dólar implementado em agosto de 2013.

O deficit externo do país está alto: consumimos mais do que produzimos, comprando e financiando a diferença no exterior. Num mundo de capital mais escasso e de descrédito do Brasil, a tendência é que o financiamento desse deficit fique algo mais difícil. Deixar o real se desvalorizar é um modo de conter esse excesso de consumo e, talvez, melhorar as exportações brasileiras, dando algum lento à economia deprimida.

O efeito colateral disso é inflação maior, o que demandará juros mais altos. Tanto mais altos quanto menor for a correção das despesas do governo.

ONDE CORTAR? Quase não há corte fácil e imediato de gastos a fazer. O governo pode reduzir seus magros investimentos, que incluem os subsídios ao Minha Casa Minha Vida. Reduzir gastos com INSS, só no ano que vem, quando seria possível conter o reajuste do salário mínimo e, talvez, ter aprovado normas para conter a despesa com pensões por morte, seguro-desemprego e abono salarial.

MAIS RECEITA, MAIS IMPOSTO. O governo deve voltar a cobrar o tributo sobre combustíveis (Cide). Deve diminuir o subsídio da eletricidade. Voltar a arrecadar parte do IPI que deixou de cobrar sobre carros etc. Talvez volte com algum imposto sobre operações financeiras. Cobrar IOF não exige lei; uma nova CPMF precisa de aval do Congresso.

ANOS DE ARROCHO. Se raspar o fundo do tacho e promover os aumentos de impostos menos inviáveis, o governo deve fazer uma poupança de 1% do PIB (superavit primário, receita maior que a despesa que não inclui a conta de juros). O mínimo necessário para equilibrar as contas e o crédito públicos é 3% do PIB, se não houver problemas adicionais (juros altos demais por mais tempo, seca e racionamentos etc.).

Dado que o crescimento de 2015-16 será mínimo, assim como o da receita de impostos, chegar a um superavit de 3% do PIB demandará anos de arrocho de gasto público e/ou aumento adicional de impostos.

TERRENO MINADO. O Judiciário quer aumento. Há projetos de gastos bombásticos no Congresso indócil. Seca e escassez de eletricidade podem criar novos custos (São Paulo já pediu dinheiro ao governo federal, para citar apenas um exemplo). Há as promessas de campanha. Etc.

Esses são os magros indícios de um programa mínimo, "só para começar". Está difícil.


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