Folha de S. Paulo


As aparências do mercado enganam

A finança e o pessoal do dinheiro grosso estão agitados, como costuma acontecer mais ou menos em qualquer período de eleição presidencial. Desde 2002 não faziam tanta campanha contra a eleição de um presidente ou manifestavam tão claramente seus desejos, por meio de palavras, atos e ranger de dentes.

A economia do Brasil no entanto não vai sair arrebentada da campanha, como em 2002, quando Lula se elegeu. Nem de longe. Além do mais, mesmo recentemente, houve momentos ainda mais frenéticos na praça do mercado.

A notícia menos animadora é que os dias de agitação maior em 2013 e 2014 (antes da campanha) eram reações a viradas no mercado mundial agravadas por uma análise mais sensata sobre fragilidades da economia brasileira. Pelo menos, tais reações eram muitíssimo mais sensatas do que aquilo que se vê nestas semanas de cassino, em especial na Bolsa de São Paulo.

Ou seja, a persistência dos problemas na administração da política econômica e o andamento lerdo do país aliados à permanência da onda de paniquitos nos mercados mundiais, para nem falar de crise, vai suscitar balançadas ou até desarranjos financeiros por aqui, notáveis, no que importa mais, em juros e dólar.

Em suma, não se deve ficar muito impressionado com as cambalhotas do Ibovespa, muitas delas entre caricatas e ridículas. A Bolsa de São Paulo passa pelos momentos mais frenéticos desde 2011. Mais frenéticos do que a média de qualquer um dos últimos 20 anos, se a gente olha o volume relativo de negócios em dinheiro. A volatilidade dos preços está alta, mas não mais em semanas agitadas como as de ainda março deste ano, junho de 2013 ou em vários meses de 2012, de crise e pânicos na Europa.

As variações do dólar parecem acompanhar as do Ibovespa, o que apenas em parte menor é verdade. A moeda brasileira balança no balanço da bossa das mudanças da economia mundial, de juros e de taxas de crescimento.

Uma ironia um tanto deprimente da comparação de 2014 com 2002 é que, embora o frenesi financeiro durante a campanha da eleição de Lula tenha sido muito maior e daninho, a situação econômica de hoje é em certo aspecto mais difícil de consertar.

Claro, é preciso dizer que a economia brasileira é mais arrumada e resistente. Não tem dívida externa, nem passivos públicos em dólar. Tem reservas. A dívida pública é muito menor. Há muito menos pobreza, o que de um ponto de vista cínico e frio, digamos, tem importância quando se leva em conta os danos sociais e políticos que certos ajustes econômicos podem causar.

Mas não há folga para cortar gastos e/ou aumentar receitas do governo sem que sobrevenha algum atrito político. Não há reformas econômicas "fáceis", que proporcionem retorno alto com custo político baixo, ainda mais quando se considera o ambiente político-ideológico "polarizado".

Menos ainda há perspectiva de retomada do crescimento econômico em breve -crescimento, não uma saída da estagnação de agora. O desemprego é baixo, o investimento também, a economia mundial não vai ajudar. Pode melhorar, claro. Mas mais devagar.


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