Folha de S. Paulo


O mundo não gira, Brasil não roda

O mundo corre um risco sério de baixo crescimento por muitos anos ainda, discursou ontem a diretora-executiva do FMI, Christine Lagarde. E daí? Daí que, apesar de todas as ressalvas, Lagarde está dizendo que se frustrou mais uma vez a ideia do "agora vai", fracasso em maior ou menor grau recorrente desde 2009. E daí, e o Brasil com isso?

Daí que, para começar, de um modo um tanto irônico, se pode lembrar que, segundo Dilma Rousseff e seus economistas, o Brasil cresceu muito pouco desde 2011 porque o mundo vai mal. Se a perspectiva mundial é de um padrão "medíocre", estaríamos fritos ou ao menos cozidos.

Lagarde discursou às vésperas da reunião semestral do FMI. Insinuou que o Fundo deve rever outra vez para baixo as previsões de crescimento. Lembrou que, em geral, a economia anda mais devagar do que o previsto faz seis meses. Não é bem novidade, embora a lerdeza nos países ditos "emergentes" venha sendo uma surpresa ainda maior.

Em cerca de 70% das 50 maiores economias "emergentes" o crescimento foi menor do que o previsto um ano antes pelo FMI (nas projeções para 2012 e 2013). Em 75% dos emergentes, o crescimento em 2013 foi 1,5 ponto percentual menor que em 2010. As informações são de um artigo de Ghada Fayad e Roberto Perrelli, economistas do FMI.

O artigo de Fayad e Perrelli, publicado em setembro, dá alguma razão para os argumentos de Dilma e cia (note-se que não se trata da opinião do FMI, mas desses economistas). Dizem que no último triênio houve uma rara sincronia de baixa no crescimento entre os "emergentes", coisa em geral vista apenas em momentos de crise aguda.

As causas da lerdeza, "na média", segundo os economistas: 1) Consumo (importações) menores nos parceiros comerciais; 2) Retirada de estímulos fiscais (gasto do governo, grosso modo); 3) Economias superaquecidas no início do período; 4) Taxa de câmbio supervalorizada no início do período ("dólar barato").

Outro fator relevante seriam os "gargalos estruturais" (como falta de infraestrutura). Ou boa administração econômica nos "bons tempos" (isto é, com menos desequilíbrios externos e financeiros).

O Brasil se encaixa nessa descrição? Sim. Padecemos de fraqueza da economia mundial. Mas o governo gastou mais a fim de incentivar a economia, não o contrário. Estava superaquecido em 2010 (crescendo além da conta, encomendando inflação). O dólar estava barato. A gestão econômica foi fraca. Etc. Ou seja, não muda muito o diagnóstico mais consensual de que temos problemas em várias frentes.

Para Fayad e Perrelli, os emergentes vão continuar lerdos caso não removam "gargalos", incrementem a produtividade e passem a produzir bens de maior valor agregado. Bidu.

Para Lagarde, no mundo em geral, evitar o novo padrão "medíocre" depende de ir devagar com o corte de gastos (recomendação para o mundo rico), reforma do mercado de trabalho e mais investimento em infraestrutura, iniciativas que andam mal paradas.

Ou seja: teremos um 2015 e 2016 ainda fracos. A economia mundial lerda é um problema a mais, mas temos de lidar com os nossos problemas de sempre.


Endereço da página: