Folha de S. Paulo


Quem se comunica se trumbica

Marina Silva (PSB) explicitou seu programa de governo em um documento formal, a única que o fez entre os três principais candidatos. Por isso, embora não apenas por isso, apanhou abaixo da cintura, levou dedada nos olhos, enfim, foi vítima de bullying marqueteiro e de outras infâmias.

O caso da candidata repõe o velho problema do que se pode dizer a sério numa campanha eleitoral, mas em um nível degradado além da conta, pelo menos em relação à expectativa de que o país fosse agora menos selvagem. Não, Marina Silva não é Santa Joana d'Arc da Floresta Liberal queimada na fogueira dos inquisidores petistas. De resto, uma utilidade da campanha é submeter os candidatos a uma espécie de malhação pública. Mas parece claro haver diferenças entre a demagogia mais sórdida e o pragmatismo eleitoreiro tolerável, tanto nos programas de governo como nas críticas a adversários.

Aécio Neves (PSDB) apresentou umas linhas muito gerais de programa, em dezembro do ano passado. Mas não se pode dizer que, na prática, não tenha apresentado nenhum projeto de governo, pelo menos na economia. Um programa, no fim das contas, é um derivado composto ideias, do grupo de assessores principais do candidato, de seu grupo político, dos partidos que pretende agregar e dos seus apoios sociais mais destacados.

Isto posto, no entanto, a gente pode ver Aécio se enroscando na corda que ora dá a seus assessores, ora a eleitores que procura cativar. Considere-se o caso do fator previdenciário, uma regra que ou limita o benefício do aposentado ou o obriga a trabalhar mais anos. Goste-se ou não, trata-se de um modo de conter o déficit da Previdência, entre outros problemas.

A fim de agradar sindicatos, Aécio prometeu uma alternativa ao fator previdenciário. Entre a cruz dos sindicalistas e a caldeirinha de seus assessores econômicos, o tucano apareceu com a história de que vai "substituir o fator por outro modelo que penalize menos a renda dos aposentados e, ao mesmo tempo, respeite a responsabilidade fiscal".

No curto e médio prazos, não dá pé: ou se "penaliza" a renda dos aposentados ou se acerta o balanço do governo. Para o longo prazo, é uma vaguidade vaporosa: com as contas em ordem e com o país crescendo bem, a coisa melhora. Muito do que Aécio diz não é compatível com o que pensam seus assessores principais. No entanto, se for mais explícito, pode ser queimado como Marina (como foi o PT, quando estava do outro lado do balcão, no século passado).

Pior ainda, no entanto, é o caso de Dilma Rousseff (PT), que não apresentou programa e não tem grupo de assessores relevante, o que justifica com o fato de ser governo e lhe dá liberdade para tripudiar sem mais sobre adversários.

Pois bem. Dilma 2 vai ser tal como Dilma 1 –não havendo programa complementar, é o que se depreende. Se disser tal coisa de modo explícito e convincente, vai azedar ou apodrecer o caldo econômico do país, dados os resultados de sua gestão, entre outros problemas. Se, eleita, aparecer com ideias diferentes, parecidas com a de seus adversários (que defendem um ajuste econômico chatinho), terá cometido estelionato eleitoral.

Não está sendo fácil.


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