Folha de S. Paulo


Lava Jato declinou ao abonar arapucas de gente desesperada

Evaristo Sá/AFP
Workers Party (PT) senator Delcídio do Amaral (L), linked to the Petrobras corruption scandal, leaves the Transit Police Battalion compound upon being released by order of the Supreme Federal Tribunal, on February 19, 2016 in Brasilia. Do Amaral will be allowed to carry out his parliamentary activities normally but remaining confined home at night. AFP PHOTO/EVARISTO SA ORG XMIT: ESA080
O senador Delcídio do Amaral (à esquerda) ao deixar a prisão, em fevereiro de 2016

SÃO PAULO - A Lava Jato começou a declinar em novembro de 2015, quando se soube da operação em que um filho do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró gravara conversas com Delcídio do Amaral, líder do governo Rousseff no Senado.

Nas gravações, o senador petista aparecia como pivô de uma trama mirabolante. Tentava dissuadir Cerveró da delação, oferecendo em troca influência no Supremo para soltá-lo e a ajuda de um banqueiro, André Esteves, para tirá-lo do país.

O pacote chegou à corte constitucional e embasou a primeira prisão de um senador no exercício do mandato sob a Carta de 1988. O banqueiro foi detido em Bangu pela simples menção a seu nome, sem ter participado das conversas gravadas.

O episódio marcou a eclosão de uma inovação na era das delações. Delinquentes cercados por investigadores não estavam mais restritos a registros do passado para negociar benefícios penais. Poderiam produzir provas novas, atraindo interlocutores graúdos para suas teias e documentando na surdina a reação das presas.

Abriu-se uma rodovia. O próprio Delcídio mais tarde selaria acordo com a Procuradoria na esteira da gravação de uma conversa esquisita entre seu assessor e o ministro da Educação, Aloizio Mercadante.

Sérgio Machado, ex-chefe da Transpetro asfixiado pelos procuradores, pôs-se a captar à sorrelfa frases inconfessáveis de vultos da República. Escapou e livrou seus filhos da cadeia. Os irmãos Batista seguiram-lhe os passos, transformando o que era artesanato numa linha de produção.

A insuficiência da técnica já ficou patente. Instâncias revisoras na Polícia Federal, no Ministério Público e na Justiça desidratam provas obtidas em situações estimuladas.

A Lava Jato, algoz de políticos e empresários poderosos, esmoreceu ao passar a abonar arapucas armadas por investigados encurralados, a troco de um atalho penal cuja eficácia parece cada vez menor.


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