Folha de S. Paulo


Opiniões baratas

Custa quase nada para o indivíduo expressar uma opinião nas democracias modernas. O peso do conjunto de expressões singulares, no entanto, pode tornar-se insuportável para certos grupos.

Esse fato tem sido um gatilho para a prosperidade e a inclusão. Quatro em cada dez eleitores em 1860 votaram livremente em Abraham Lincoln. O veredicto das urnas, a vitória do republicano, foi mortal para os proprietários de escravos do sul dos EUA.

Vez ou outra, o somatório das vontades pessoais embaça o progresso de toda a sociedade. Nada custou a cada um dos 17.410.742 britânicos que optaram pela saída da União Europeia expressar sua opinião. O conjunto dos 66 milhões de habitantes do Reino Unido sujeita-se a enriquecer mais devagar em razão disso.

O raciocínio se aplica, com adaptações, a decisões do Supremo Tribunal Federal brasileiro no campo das regras da política.

Numa sessão célebre de 2006, os ministros fulminaram a cláusula de barreira, que instituía requisitos mínimos de voto para um partido valer-se à plenitude do financiamento público e das prerrogativas no Congresso.

Os ministros eram puro senso comum nas impressões acerca do risco de a cláusula sepultar siglas "ideológicas". A soma de suas convicções triviais sobre a política subverteu uma decisão típica do Legislativo e nutriu a barafunda partidária de hoje.

O estrago das intenções togadas continuou. Vamos instituir a fidelidade partidária que a legislação não estabelece? Vamos proibir a doação das empresas, esta prevista na lei? Sim, responderam os juízes.

Os remédios, entretanto, prejudicaram o paciente e selecionaram novos micróbios. Ou alguém acredita que o fato de empresas estarem proibidas de contribuir nestas eleições vai fazer surgir uma avalanche de microdoações pessoais espontâneas e ideologicamente motivadas? Opiniões baratas nem sempre produzem boa coisa.


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