Folha de S. Paulo


Um país complicado

SÃO PAULO - Jornalistas dos principais veículos de comunicação do Brasil integramos elevados estratos de renda e escolaridade. As ideias predominantes em nosso círculo são o progressismo, nos costumes, e o paternalismo, na economia.

O quadro muda nos 90% da população logo abaixo. Os brasileiros desse largo espectro, bem mais pobres e bem menos instruídos, são em regra conservadores na conduta, embora também adeptos do protecionismo estatal no domínio econômico.

O resultado da interação democrática entre a população eleitora e seus representantes, portanto, pende para o segundo tipo. O processo seleciona políticos conservadores nos costumes e antiliberais na economia.
O eleitor médio, ainda muito dependente do Estado, exige dos políticos mais proteção. Por isso, deputados de esquerda, do centro e da direita são majoritariamente gastões nas suas demandas ao Tesouro.

Essa característica, somada ao deslocamento demográfico de segmentos especializados na narrativa e na interpretação (jornalistas e intelectuais), faz do Brasil um país complicado. E difícil de traduzir.

Aqui um oligarca, Antonio Carlos Magalhães, patrocina o Fundo de Erradicação da Pobreza, fiador dos programas que confluem no Bolsa Família. O coronel baiano arranca o dinheiro à força do príncipe da sociologia uspiana, de extração marxista.

Aqui a centro-direita impulsiona a universalização do ensino básico público, bem como o incremento de sua qualidade. A esquerda —atrelada ao corporativismo docente e aos privilégios das universidades estatais— e os velhos desenvolvimentistas —que jamais deram trela para o assunto— são forças de resistência.

O governo Temer parece mais conservador nos costumes e mais liberal, por pura necessidade, na economia. Aproxima-se do eleitor no primeiro caso, mas se distancia no segundo. Nos dois traços, afasta-se do jornalista e do intelectual médio.

vinicius.mota@grupofolha.com.br


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