Folha de S. Paulo


Aqui vai mal

SÃO PAULO - O principal fato político da crise brasileira é a derrocada do poder presidencial. Desapareceu num chofre a capacidade de Dilma Rousseff de liderar a agenda pública, de pautar o Congresso e de angariar apoio para suas prioridades.

Um arranjo emergencial e acidental improvisou-se em seu lugar. O trio peemedebista Temer, Calheiros e Cunha avançou ao proscênio. Um ministro da Fazenda independente do petismo, incumbido de inverter o curso da política econômica, posicionou-se logo atrás.

A cristalização do esquema alternativo de partilha, em abril, iludiu analistas, que tomaram por duradouro um alívio circunstancial e relativo. Esse amálgama de governança desde o início estava prenhe de instabilidade, o que logo se escancarou.

O tiro no peito do presidente da Câmara foi apenas o mais recente episódio da nova espiral da crise. Como no desenrolar de Hamlet, a trama empurra as principais personagens para a insânia e a destruição mútua. Estarão todos mortos ao final, a ponto de o autor ter de escalar alguém de fora para recolher os cadáveres?

O que a vivência de seis meses de crise parece mostrar, consoante com a herança depurada de 125 anos de regime republicano no Brasil, é que nada chega perto de preencher a lacuna deixada por um presidente da República enfraquecido.

Se realmente está convencida de que não vai cair, Dilma Rousseff deveria ter o discernimento necessário para romper com os atores hamletianos desse enredo, a começar de Lula e do PT. Ela precisa anular-se definitivamente como vetor eleitoral e partidário para ter chance de restaurar algum poder presidencial.

Há gestos que a presidente pode fazer nesse sentido, como reformar seu gabinete, enxugar a administração direta, desfiliar-se de seu partido e abrir diálogo institucional que inclua o ex-presidente Fernando Henrique. Depende apenas dela.


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