Folha de S. Paulo


Dois tropeços na mesma pedra

Não deixa de ser um feito: a Folha conseguiu tropeçar duas vezes na mesma pedra ao publicar e depois suspender um vídeo da "TV Folha" sobre adolescentes que ocuparam escolas estaduais, em protesto contra a reorganização educacional do governo Geraldo Alckmin.

A topada inicial passou batida, o que não chega a surpreender: o conteúdo era desequilibrado, mas para o "lado certo", o dos simpatizantes do movimento estudantil, que predominam nas redes sociais. Ninguém escreveu em protesto contra a abordagem acrítica e enviesada.

E olhe que era fácil: o conteúdo passava ao largo de padrões jornalísticos mínimos. Produzido por trainees e editado em parceria com a equipe da "TV Folha", o vídeo é uma sucessão de depoimentos de meninos e meninas extasiados com o protagonismo político recém-descoberto, cheios de entusiasmo juvenil, verdades absolutas e visões horizontais de mundo (quem não um dia?).

Não há reportagem propriamente dita, não há apuração, não há checagem de dados ali divulgados, não há espaço para o contraditório; ignora-se a obrigação de ouvir o outro lado. Não há jornalismo, enfim. Espanta que tenha ido ao ar aquele jorro de acusações, afirmações e números sacados não se sabe de onde, apresentados sem exibição de qualquer evidência. A edição foi tão juvenil e engajada quanto os personagens entrevistados. Não há dúvida de que os controles falharam.

Como sabe o leitor, no entanto, publicação de conteúdo desequilibrado está longe de ser exceção –e é isso o que torna mais problemático o segundo tropeção: a Redação decidiu suspender o vídeo e refazer a apuração "para enquadrá-la nos princípios editoriais do jornal", atropelando a premissa que tem norteado a filosofia do digital, a de não retirar conteúdo publicado. Corrige-se e/ou atualiza-se, mas sempre deixando a intervenção transparente.

A decisão foi ruim, e o "timing", pior: a retirada se deu na manhã de terça (1º), dia em que Alckmin veio almoçar na Folha. Foi a deixa para eclodir a teoria conspiratória de que a decisão havia sido tomada por pressão política. Era elementar que isso iria acontecer.

Não me ocupo, porém, com a histeria de redes sociais e blogs patrocinados; meu ponto, colocado para a Direção de Redação, foi se a abertura de precedente não desqualificava uma norma professada pelo jornal e já tratada neste espaço. "A Folha não retira conteúdo publicado por pedido de terceiros, mas pode dispor de seu conteúdo, para melhorá-lo, como achar melhor."

Perguntei sobre as consequências da decisão na imagem do jornal: a retirada não era mais perniciosa do que a manutenção do conteúdo inadequado? Resposta: "Não foi a avaliação da Secretaria de Redação. O objetivo do jornal é sempre melhorar seu conteúdo. Na versão impressa, muitas vezes uma reportagem que saiu na edição nacional é melhorada para a edição SP ou mesmo derrubada. No caso em questão, o vídeo foi retirado do ar, melhorado e recolocado no ar dois dias depois."

Mas a coincidência entre a visita de Alckmin e a retirada não poderia denotar aos leitores uma subordinação a alguma pressão política? Aí a resposta veio menos serena. "Espera-se que a ombudsman esteja se referindo aos comentários mentirosos das redes sociais e não esteja insinuando que uma coisa tenha algo a ver com a outra. Seria desconhecer décadas de conduta editorial da Folha, que não cede a pressões —que, no caso, nem ocorreram."

A ombudsman não insinua nada, senhores. Ela cumpre o seu papel encaminhando à direção do jornal as dúvidas manifestadas pelos leitores, cujo teor, vale ressaltar, a Secretaria de Redação conhece perfeitamente, porque recebe cópia de cada mensagem. Lembro ainda que não é a mim que o jornal está respondendo ou dando explicações aqui, mas ao seu leitorado e à opinião pública.


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