Folha de S. Paulo


Redução cosmética de juros não ajuda ao país

Reprodução/Mídia Ninja
Manifestantes protestam contra a PEC 241, que limita os gastos públicos, no Rio de Janeiro
Manifestantes protestam contra a PEC 241, que limita os gastos públicos, no Rio de Janeiro

A reunião do Copom reduziu a taxa básica de juros pela primeira vez em quatro anos, o que pode ser visto como uma boa notícia. Mas, às vezes, como nesse caso, usa-se da aparência para manipular opiniões e alardear méritos que o governo não tem.

De fato, os dados indicam uma queda do risco inflacionário. Segundo a economista Laura Carvalho, mais de 40% da inflação do ano passado foi alimentada pelos reajustes bruscos dos combustíveis, energia elétrica e outras tarifas administradas. Elementos ausentes este ano.

Outra variável importante é a deterioração crescente da atividade econômica e do nível do emprego, que continua a piorar desde a assunção de Temer ao governo. Tal fato, por si só, já justificaria uma queda mais significativa na taxa de juros.

Levando em conta o agravamento da crise, que, segundo o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), espécie de sinalizador do Produto Interno Bruto (PIB), em agosto registrou uma queda de 0,91% em relação a julho, concluiremos que a redução de 0,25% na taxa Selic foi pífia e, portanto, retardará ainda mais a retomada do desenvolvimento. Representará uma economia anual irrisória de aproximadamente R$ 9 bilhões diante dos astronômicos R$ 600 bilhões que o governo pagará de juros aos especuladores.

Lembremos que o Brasil ostenta ainda o triste título de campeão de juros reais mais altos do mundo. Essa é a verdade oculta por trás das manchetes e só explicada pelo servilismo aos especuladores. Segundo a consultoria Infinity Asset, seria necessário um corte de 4,75% para deixarmos a liderança mundial de juros reais e, se tivermos dois cortes de 0,5% neste ano, ainda assim teríamos um índice de juros reais estratosférico de 6,48% ao ano.

A redução quase cosmética da taxa alimenta a voracidade do sistema financeiro, que viu sua margem de lucro com o crédito, spread bancário, crescer 60% em dois anos.

Enquanto esbanja nos gastos com juros, o governo se apressa em aprovar a PEC 241, que reduzirá gastos públicos em custeio, infraestrutura e no social, mas manterá integral os gastos financeiros. E o Brasil emergente, parceiro estratégico dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), será substituído pelo país da época FHC, quando vivia humilhado pelo FMI.

Para Temer, educação pode ficar sem dinheiro, banqueiro, não. É essa a lógica da PEC 241.

É o mesmo remédio que destruiu a economia grega, arrasou direitos e empregos em Portugal e solapa economias europeias.

Neste momento de tanta dificuldade econômica e restrições democráticas, resistir e lutar devem ser não apenas palavras de ordem, mas o sentimento a mover nossa gente.


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