Folha de S. Paulo


Gilmar Mendes está na contramão da história

SÃO PAULO - Gilmar Mendes é um ministro acostumado às batalhas retóricas, mas, em entrevista à revista "Veja", enrolou-se ao comentar sua atuação no Instituto Brasiliense de Direito Público, organização que tem nos patrocínios uma de suas maiores fontes de renda —e que, de 2016 a junho deste ano, recebeu R$ 2,1 milhões da JBS, segundo a reportagem.

Os jornalistas lhe perguntaram se não via problema em ser sócio do instituto. Resposta: "Nenhum. Eu era professor antes de ser ministro. Continuei professor. Aqui no Supremo, por exemplo, Bilac Pinto era dono da editora Forense. Nunca ninguém levantou dúvida sobre isso".

Dois aspectos chamam a atenção. Primeiro, questionado sobre a sociedade comercial, Mendes falou sobre a atividade docente, como se quisesse evitar constrangimentos. Em segundo lugar, Bilac Pinto foi ministro de 1970 a 78, sob outras regras.

A Constituição da época impedia que juízes exercessem "qualquer outra função pública". Em 77, a redação mudou para "qualquer outra função". Esse princípio mais restritivo consta da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, de 79, e da Constituição de 88. (Em todos os casos, excetuam-se cargos de magistério.)

Historicamente, a evolução desde o Brasil Império é nítida: trata-se de eliminar situações capazes de macular o caráter republicano esperado do Judiciário. Os juízes precisam ser incorruptíveis e imparciais; sua atuação não pode se vincular a outros interesses que não os do Estado.

Quando a lei diz que o juiz até pode ser acionista de uma empresa, mas não diretor, a preocupação não é com a formalidade contratual, e sim com a independência do magistrado.

No papel, Gilmar Mendes não exerce cargo de gestor; na prática, encontra-se com patrocinadores, cobra pagamentos, usa o peso do STF em favor de seu instituto e não vê nenhum problema nisso. Está na contramão da história —e o melhor exemplo que traz em sua defesa é o de um ministro da ditadura militar.


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