Folha de S. Paulo


Lances individuais são para o futebol o que a poesia é para a literatura

Lluis Gene/AFP
Barcelona's Argentinian forward Lionel Messi celebrates a goal during the UEFA Champions League football match FC Barcelona vs Manchester City at the Camp Nou stadium in Barcelona on October 19, 2016. / AFP PHOTO / LLUIS GENE ORG XMIT: LG4383
O atacante do Barcelona Lionel Messi comemora gol durante partida pela Liga dos Campeões em 2016

O Barcelona divulgou um vídeo com lances espetaculares de Messi, quando chegou ao clube, com 13 anos. São muito parecidos com os que encantaram o mundo. Embora eu goste muito e saiba da enorme importância da estratégia e do jogo coletivo, são os belos lances individuais dos craques que embelezam e eternizam o futebol.

Atletas, torcedores, imprensa esportiva e treinadores deveriam ser mais comprometidos, não só com os resultados, mas também com a qualidade do espetáculo. Guardiola é especial por isso. Quer sempre ganhar jogando muito bem.

Os magistrais lances individuais, que unem técnica, eficiência e beleza, são tão importantes para o futebol quanto a poesia para a literatura, embora muitos tratem os lances bonitos e a poesia apenas como algo pouco prático, um enfeite, uma fantasia romântica.

Existe uma tendência mundial entre as grandes equipes, como Real Madrid, Barcelona, PSG, Manchester City, seleção brasileira e outras, de jogar com um volante e um armador de cada lado, que marca e ataca, em vez de dois volantes em linha e um meia de ligação pelo centro.

Outra tendência é ter um jogador pelo lado, que se desloca para o centro, para ser o armador, como na seleção brasileira, com Coutinho, no Barcelona, com Messi, no Real Madrid, com Isco, no PSG, com Neymar, e com o português Bernardo Silva, no Manchester City, quando substitui o veloz Sterling, pela direita.

Dos grandes times europeus, o Manchester City de Guardiola é o único que possui dois armadores (De Bruyne e David Silva), que atuam muito mais perto da área adversária que do volante (Fernandinho).

No Barcelona, no Real Madrid e no PSG, os armadores são mais meio-campistas, mais próximos ao volante. Na seleção brasileira, Renato Augusto é cada dia mais um segundo volante -pode perder a posição para Fernandinho-, e Paulinho, cada dia mais um meia ofensivo.

O moderno Manchester City retorna ao passado. Dentro das características da época, o Cruzeiro, nos anos 1960, tinha um volante (Piazza), dois meias ofensivos (eu e Dirceu Lopes), além de dois pontas e um centroavante. As coisas vão e voltam.

Gabriel Jesus foi para o time certo. Ele tem sido brilhante. O atacante se posiciona muito bem, é veloz, toma decisões corretas, finaliza com precisão, faz bem a função de pivô e ainda marca os zagueiros. Mas, dizer que ele é o melhor jovem que surgiu depois de Messi, acima até de Neymar, como foi dito pelo comentarista inglês Danny Murphy, ex-jogador, com a concordância de muitos brasileiros, é uma manifestação do "complexo de vira-lata", de achar que tudo o que falam ou fazem na Europa está certo, mesmo que seja uma besteira.

Os times brasileiros estão certos quando recompõem rapidamente e formam duas linhas de quatro na marcação, como é habitual em todo o mundo. O errado é, quando a bola é recuperada, não conseguir chegar ao outro gol, com troca de passes, triangulações. A obsessão pela marcação é tanta que, várias vezes, os melhores times brasileiros ficam acuados por equipes inferiores, esperando uma chance de contra-ataque. É uma inversão.

A maioria das equipes brasileiras joga também do mesmo jeito, do início ao fim. A repetição excessiva leva ao empobrecimento do futebol e da vida. Sem diversidade, imaginação e poesia, não há graça.


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