Folha de S. Paulo


Argumentos para explicar vitórias e derrotas seguem conveniências

Somos todos tendenciosos, uns muito mais que outros.

A tendenciosidade, muitas vezes, não é consciente. Pensamos, opinamos e agimos de acordo com nossos conceitos, preconceitos e experiências anteriores. Enxergamos o que queremos ver. Usamos argumentos, informações e estatísticas que nos interessam e esquecemos as outras. Podemos e devemos ser isentos, mas é muito difícil ser um observador totalmente neutro e imparcial.

Assim como há pessoas excessivamente operatórias, pragmáticas, que não entendem nem nunca vão entender por que a excepcional seleção brasileira de 1982, que perdeu, é mais elogiada que a de 1994, que ganhou, existem os radicais românticos, que acham a seleção de 1994 ruim e que só ganhou porque tinha Romário. A marcação com duas linhas de quatro, usada pela ótima seleção de 1994 e criticada por mais de 20 anos, passou a ser utilizada e elogiada pela maioria dos times brasileiros e de todo o mundo.

Há quase um consenso de que o calendário, que era ruim, ficou muito pior neste ano, ao ponto de várias equipes jogarem com todos os reservas em algumas partidas do Brasileiro, o campeonato nacional mais importante.

Os clubes, por serem reféns da CBF e dos parceiros comerciais, só criticam o calendário para justificar as derrotas. Vários grandes times têm perdido pontos preciosos. Deveriam ter poupado apenas os jogadores que corriam mais riscos de lesão.

Quando os reservas vencem, mesmo jogando muito mal, como na vitória do Atlético-MG sobre a Chapecoense, seguido de duas vitórias dos titulares no Brasileiro, os dirigentes e as comissões técnicas justificam os resultados pelo planejamento e pelo descanso dos atletas. Porém, na partida seguinte, o Atlético-MG teve péssima atuação e perdeu para o fraco Jorge Wilstermann, da Bolívia. Voltarão a criticar o calendário e a dizer que os jogadores estão novamente cansados?

O excesso de jogos passou a ser, em todos os clubes, a primeira reclamação pelas derrotas.

O Grêmio, com todos os titulares, jogou bem, fora de casa, e venceu o Godoy Cruz. Porém, os jogadores argentinos, livres dentro da área, cabecearam algumas bolas, que só não entraram por causa da ótima atuação de Marcelo Grohe e porque a bola não foi no canto.

Mesmo assim, pela milésima vez, disseram que o Grêmio sofre pouquíssimos gols em jogadas aéreas porque Renato Gaúcho trocou a marcação por setor nesses lances, usada na época de Roger, pela marcação individual. Grandes treinadores, de todo o mundo, divergem sobre qual é a melhor marcação nesses casos. Além disso, o Grêmio não tinha, na época de Roger, ao lado de Geromel, um zagueiro tão alto e tão bom nas jogadas aéreas, como Kannemann.

"Saber ver é ver sem estar a pensar" (Fernando Pessoa). Renato merece muitos elogios por seu trabalho, especialmente por ser um observador, uma importantíssima qualidade, com frequência, ignorada pelos que acham que tudo o que ocorre no futebol pode ser medido, calculado e programado. Teria Renato, por ser um gaúcho que morou e trabalhou muito tempo no Rio, incorporado virtudes dos dois olhares, que veem o futebol e a vida de maneiras diferentes?

Os melhores momentos do Grêmio têm sido tão eficientes e mais encantadores que os melhores momentos do Corinthians, líder do Brasileiro.


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