Folha de S. Paulo


Vivemos a cultura do momento, de eleger os vilões e os heróis da semana

Eduardo Anizelli/Folhapress
Neymar, do Brasil, comemora seu gol - Partida entre Brasil e Paraguai, válida pela 14ª rodada das eliminatórias sul-americanas para a Copa do Mundo de 2018
Neymar comemora seu gol na partida contra o Paraguai pelas Eliminatórias

Durante a Copa de 2006, percebi que o futebol tinha mudado. As grandes seleções driblavam pouco e atuavam com dois toques. Dominavam e passavam. O passe era seguro, de chapa, com a parte interna do pé, para não perder a posse da bola. Repetiam o que faziam nos treinos de campo reduzido. Essa é uma prática eficiente, que continua moderna. Por outro lado, o excesso de treinos de dois toques pode fazer os jogadores perderem um pouco da lucidez para fazer a escolha certa no jogo, se dão um, dois ou três toques ou se driblam.

Na Alemanha, durante o Mundial, conversei muito com João Ubaldo Ribeiro, um dos maiores escritores brasileiros, já falecido. Ele, com sua sabedoria universal, dizia que a Copa estava chata, com excesso de passes. Queria ver mais dribles.

Na última década, predominou na Europa a troca de passes e o domínio da bola. Para isso, surgiram grandes meio-campistas. Assim e por outros avanços coletivos, ganharam as três últimas copas.

Já na América do Sul e no Brasil, até o 7 a 1, predominaram, nas seleções e nos clubes, as bolas longas, os chutões, os cruzamentos para a área e os confrontos individuais. Desapareceram os grandes meio-campistas, e proliferaram os dribladores, a maioria com pouca técnica. Como o Brasil é enorme e tem muita tradição, era grande a chance de surgir um fenômeno, como Neymar, e vários excelentes dribladores, com boa técnica, como Philippe Coutinho, Willian, Douglas Costa e outros.

Os times europeus perceberam que não bastava ter a bola e que precisavam contratar os melhores atacantes dribladores sul-americanos, ótimos no confronto individual, perto da área adversária. Já as seleções europeias sentem falta desse tipo de jogador. Preocupados, têm investido na formação de atletas com essas características. Já surgiram alguns excelentes, como o belga Hazard e outros.

O drible voltou. Além de bonito e eficiente, é uma transgressão, uma desconstrução, uma surpresa, um rompimento da linearidade. É o efeito especial que embeleza o espetáculo.

Uma das qualidades da seleção, com Tite, é unir o estilo coletivo europeu e o brasileiro, o passe e o drible, a estratégia e a improvisação, embora predominem, no atual time brasileiro, as jogadas rápidas, coletivas e individuais, em direção ao gol. A troca de passes é feita mais perto da área, como no gol de Marcelo, contra o Paraguai, e não no meio-campo, para ter o domínio da bola. Os brasileiros que atuam na Europa encontram, na seleção, os mesmos conceitos a que estão acostumados, o que não ocorria com Felipão e com Dunga.

Vivemos a cultura do exagero e do momento, da criação de ídolos e de vilões a cada jogo e, parafraseando os Titãs, de eleger os melhores de todos os tempos da última semana. Escutei, nos últimos dias, várias vezes, que, no momento, Neymar é o melhor do mundo, que Paulinho, um bom jogador, é um craque, após os três gols e os dois passes de calcanhar, e que a taça do mundo já é nossa.

Neymar, por ser mais jovem que Messi e Cristiano Ronaldo, caminha para ser o melhor do mundo, e não apenas o melhor do momento ou mesmo de um ano. A responsabilidade de ser o grande protagonista da seleção aumenta a eficiência de Neymar. Ele aprendeu também, com o tempo e atuando com Messi, a saber o momento exato de jogar coletivamente e o de tentar o lance de mestre.


Endereço da página:

Links no texto: