Folha de S. Paulo


Não basta estudar para ser um bom técnico, mas sem isso fica impossível

No país do jeitinho, dos privilégios, das falcatruas, das boquinhas, os dirigentes da Chapecoense recusaram o prêmio de não serem rebaixados por três anos. Ainda há esperança.

Termina hoje o Brasileirão. Houve uma evolução na maneira de jogar de muitas equipes. Isso não significa sempre bons resultados imediatos, mas projeta um futebol melhor para os próximos anos. Essa evolução começou no Corinthians, com Tite, que, diferentemente do genial Renato Gaúcho, teve de estudar muito para evoluir.

Os treinadores atuais não são mais os supertécnicos, os donos do futebol. As comissões técnicas passaram a ter muita importância, com a evolução da ciência esportiva. Os analistas de desempenho trazem informações detalhadas, discutem e apresentam soluções. Além dos conhecimentos técnicos e táticos, os treinadores precisam ser também bons gestores de grupo, desde que não banalizem essa expressão, não a confundam com motivação, como tem ocorrido.

Não há mais lugar para treinadores apenas intuitivos, paizões e motivadores. Isso não significa que também não ganhem títulos, ainda mais em torneios mata-mata, curtos, já que há dezenas de fatores envolvidos no resultado. Por outro lado, não basta estudar muito. Os treinadores precisam ter a capacidade de observar os detalhes subjetivos, o que ocorre nas entrelinhas e o que não foi programado.

Além da experiência de jogador e já também da de treinador, Renato Gaúcho parece ser um bom observador e ter muita esperteza mental.

Lucas Uebel/Grêmio FBPA/Divulgação
Carol Portaluppi comemora dentro de campo com seu pai, Renato Gaúcho, a vitória do Grêmio
Carolina Portaluppi comemora dentro de campo com seu pai, Renato Gaúcho, a vitória do Grêmio

Porém, é lamentável que as declarações de Renato, de que ele já sabe tudo e que não precisa estudar, sejam vistas, por tantos jornalistas, como apenas uma brincadeira, uma fanfarrice. Renato, com sua prepotência, acredita nisso. É uma afronta à ciência esportiva e a tantos técnicos estudiosos, como Tite e Roger.

Temos de respeitar as diferentes opiniões, mas dividir as qualidades e o conhecimento técnico entre os que estudam e os práticos que não precisam estudar é mediocrizar e limitar o desenvolvimento do futebol.
Estudar tem um sentido muito mais amplo do que ir à Europa assistir a treinos e jogos e conversar com técnicos famosos. Estudar é ver o maior número de jogos possíveis, conhecer os métodos modernos de treinamento, fazer cursos, devorar livros sobre o assunto e, principalmente, reconhecer as limitações e querer aprender.

Nem sempre quem estuda muito será um ótimo treinador, mas, hoje, é impossível ser um ótimo treinador, na média de sua carreira e por um bom tempo, sem estudar.

Todos os que trabalham no futebol precisam estudar para evoluir. Isso tem ocorrido. Existe uma preocupação por parte da imprensa em aproveitar a tecnologia para aprofundar as análises das equipes e dos jogadores. A presença de convidados de outras áreas nos programas esportivos, que gostam e acompanham futebol, areja, amplia e ultrapassa os limites do campo. O futebol é muito mais que um jogo de detalhes técnicos e táticos.

Como não sou jornalista, sinto-me à vontade para elogiar e criticar, como fazem os internautas nos programas esportivos. Não pense também que, quando critico, me coloco em uma posição superior. Quando leio minha coluna no dia seguinte, lamento não ter feito melhor. Isso acontecia quando eu era jogador e médico. Sei também de minha insignificância e da insignificância humana.


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