Folha de S. Paulo


Grandes jogadores têm a lucidez para fazer as escolhas certas

Como o futebol é um jogo de incertezas, de mil possibilidades, uma das qualidades mais importantes de um jogador é a lucidez para tomar as decisões certas. Isso não se mede nas estatísticas. A lucidez é parte importante do talento. Ela não pode ser ensinada, mas pode ser aprimorada com a ajuda dos treinadores.

Existem atletas que executam muito bem os fundamentos técnicos da posição, mas são confusos, esquizofrênicos em campo, por não serem capazes de unir as partes, as virtudes, para formar um todo. Pato e outros não se tornaram craques, como a maioria esperava, porque não se dedicaram à profissão, como tanto falam, e sim porque não tiveram a lucidez para tomar as decisões corretas. Driblam, quando deveriam passar a bola. Finalizam, quando deveriam driblar.

Pelé foi o maior de todos os tempos, porque, além de possuir, no mais alto nível, todas as qualidades técnicas, atingiu o máximo da lucidez, da eficiência, da simplicidade. Tornava simples o que era complexo.

Armando Nogueira suspeitava que essa sabedoria fosse um reflexo medular, sem passar pela consciência. Os psicanalistas falam que é um saber inconsciente, que antecede ao raciocínio lógico. Ele sabe, mas não sabe que sabe. A ciência esportiva chama isso de inteligência cinestésica, a capacidade de, rapidamente, sem pensar, mapear tudo o que está em volta e calcular a velocidade e a posição dos companheiros, dos adversários e da bola.

Os melhores meio-campistas não são excepcionais só porque, algumas vezes, dão passes brilhantes. São também porque têm a lucidez de escolher o momento certo de dar o passe incisivo, mais à frente. Raramente perdem a bola, uma estratégia cada dia mais importante.

Romário, em fração de segundos, dominava, ajeitava o corpo, olhava para o goleiro e colocava a bola no canto do gol. Precisava de poucos gestos. Parecia tudo fácil.

Os grandes goleiros e defensores são os que anteveem o passe e se antecipam ao atacante, sem confronto físico. Nilton Santos nunca deve ter sujado o calção. Os melhores goleiros não são os que dão belos saltos para segurar a bola. São os que se colocam muito bem. Todas as defesas parecem fáceis.

A lucidez é importante na vida e nas atividades profissionais. Como diz o chavão, a vida é feita de escolhas. O problema é que, muitas vezes, só saberemos se a escolha foi certa mais à frente. Como disse o grande ator italiano Vittorio Gassman, deveríamos ter duas vidas, uma para ensaiar e outra para viver.

DÚVIDAS HISTÓRICAS

Juca Kfouri contou, em sua coluna, que o técnico Aymoré Moreira, campeão do mundo em 1962, desenhou em um guardanapo, na véspera da final da Copa de 1970, quando Aymoré trabalhava para a Revista Placar, toda a jogada do gol de Carlos Alberto Torres, o quarto contra a Itália.

Aymoré previu o lance ou soube, por ter companheiros na comissão técnica, da reunião entre Zagallo e os jogadores, quando foi combinado que, quando o ponta Jairzinho entrasse pelo meio, em diagonal, e fosse acompanhado pelo lateral esquerdo Facchetti, que fazia marcação individual, Carlos Alberto avançaria e entraria livre neste espaço, para finalizar? Aymoré tinha sido treinador de Zagallo no Mundial de 1962.

A história tem sempre, no mínimo, duas versões. Às vezes, as duas são verdadeiras ou falsas.


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